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Transplante renal: o doador precisa ser da família?

Por Janaína Garcia e Carol Serres

A doença renal crônica é silenciosa, muitas vezes os pacientes só descobrem o comprometimento do rim já nas fases avançadas, quando não há tempo para programar o tratamento desejado por eles. Por isso, a grande maioria dos pacientes em urgência dialítica inicia sua terapia através da hemodiálise ou diálise peritoneal. A indicação do transplante de rim é feita após o médico nefrologista avaliar o paciente e considerar exames de sangue, de urina e de imagem para definir a cronicidade e irreversibilidade da doença. Após essa confirmação, os pacientes devem ser encaminhados aos centros de transplante de sua região ou de sua preferência. 

No transplante existem duas opções: um rim saudável de uma pessoa viva ou o rim de um cadáver. É importante lembrar que o rim é um dos poucos órgãos que permite a realização do chamado transplante intervivos, ou seja, com o doador ainda vivo. Através de uma cirurgia, esse rim é implantado na cavidade abdominal do paciente e passa a exercer as funções de filtração e eliminação de líquidos e toxinas. Os rins do paciente não são retirados e permanecem onde estão, a menos que estejam causando infecção ou hipertensão.

O transplante renal é um procedimento cuja realização é autorizada no Brasil por meio da lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Ela é regulamentada pelo decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017.  Já, os critérios que organizam a fila do transplante de órgãos são estabelecidos na Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017, que aprovou o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes (STN). Essa regulação não permite nem privilégios, nem intervenções externas na fila de transplantes, bem como institui sua auditoria.

Existem contraindicações para o transplante renal?

Os critérios para inscrição em lista de transplante renal para adultos portadores de Doença Renal Crônica (DRC), são pacientes maiores de 18 anos e com clearance de creatinina menor que 10 (pacientes não diabéticos) e menor que 15 (nos pacientes diabéticos). O clearance de creatinina é um exame de urina, coletada durante 24h, que fornece a estimativa mais precisa do funcionamento renal. 

As contraindicações são impostas pelas condições de saúde do paciente, assim como em qualquer outra cirurgia. Portadores de neoplasias em atividade, enfermidades hepáticas, cardiovasculares ou infecciosas que não se encontrem controladas e pacientes gravemente desnutridos são contraindicações formais para esta operação. Pacientes com distúrbios psiquiátricos, abuso de álcool ou drogas também podem comprometer o uso correto dos medicamentos e controles médicos e laboratoriais no pós-transplante.

O procedimento também não é realizado sem o consentimento do paciente. É direito dele se recusar a realizar o transplante. Além disso, em casos de doenças renais reversíveis é recomendado manter o tratamento conservador. Referente aos pacientes idosos candidatos ao transplante renal é necessária uma avaliação individualizada, que leva em conta os riscos e benefícios da cirurgia, bem como a expectativa de vida.

Quem pode ser doador de rim?

Existem dois tipos de doadores de rim: os doadores vivos (aparentados ou não) e os doadores falecidos. Para receber um rim de doador falecido, o paciente precisa estar inscrito na lista única de receptores de rim, da Central de Transplantes do Estado onde será feito o transplante. Utilizamos como critérios de seleção do receptor a compatibilidade do sistema ABO e HLA com o doador e sua pontuação (tempo de espera em lista, idade, hipersensibilização, dentre outros).

A doação de um rim saudável por uma pessoa viva tem autorização legal no Brasil e pode ser realizada desde que aconteça de uma forma voluntária, altruísta e sem o recebimento de qualquer tipo de gratificação pelo órgão recebido. É bom lembrar que no Brasil o comércio de órgãos é crime. 

Por lei, pessoas de uma mesma família podem fazer a doação. Nesse caso, parentes até quarto grau ou os cônjuges podem doar o órgão. Porém, esse ato também pode ser realizado por amigos ou conhecidos. A regra é diferente nesse segundo caso. Quando não há um grau de parentesco entre doador e receptor é necessário obter uma autorização judicial para esclarecer a relação entre as partes e atestar que a doação está acontecendo de forma voluntária, sem o recebimento de gratificações ou pressões psicológicas. Esse tipo de doação é chamado de direta, necessitando apenas que haja compatibilidade sanguínea (sistemas HLA e ABO) e cross-match (prova cruzada) negativo. Mas existem ainda outras modalidades de doação de um rim durante a vida.  É também possível, por exemplo, fazer uma doação cruzada quando doador e receptor não são compatíveis entre si. A equipe de transplantes seleciona outro par doador-receptor com o qual haja compatibilidade e, assim, é feito o cruzamento da doação, conforme regulamentado pelo Programa Nacional de Doação Renal Cruzada. Esse procedimento de doação cruzada tem a perspectiva de auxiliar na redução do tempo de espera em lista por um órgão, visto o aumento da chance de ocorrência de novos transplantes renais. É importante lembrar que, segundo o Ministério da Saúde, há em nosso país, 39.000 pessoas aguardando em fila por um transplante renal e todas as iniciativas  que potencializem esse número de transplantes são muito bem vindas.

Quais são os critérios para doar um rim em vida? 

O primeiro critério é o desinteresse pela ação. O segundo critério é haver compatibilidade sanguínea e imunológica entre doador e receptor. O doador precisa ser maior de 18 anos e ter plena saúde física e psicológica para passar pelo procedimento. O futuro doador necessita função renal normal e não apresentar doenças. Também é avaliado se existe qualquer risco para desenvolvimento de uma doença renal no futuro, ou em outros órgãos. Além dessas condições requeridas, o candidato à doação não pode ser fumante, usuário de drogas, consumidor abusivo de bebidas alcoólicas, ter uma idade muito avançada ou ser portador de neoplasias em tratamento. Por isso, a pessoa que deseja ser uma doadora passa por uma série de exames clínicos, laboratoriais e de imagem, além de uma consulta com o psicólogo e dos trâmites legais envolvidos com o processo de doação para que tudo aconteça de forma regularizada.

Quais os riscos que corre um doador vivo?

Todo procedimento que envolve cirurgia e anestesia geral pode apresentar riscos. Porém, tais riscos podem ser minimizados com os exames pré-operatórios e os avanços nas técnicas anestésicas e cirúrgicas. A doação de um rim não impede o funcionamento adequado das funções renais no paciente doador (como observamos rotineiramente em pessoas que nascem com um rim único, ou em vítimas de acidentes ou enfermidades que resultam na perda de um dos rins). 

Contudo algumas orientações de saúde são requeridas para o candidato à doação renal. É recomendado ao doador fazer o acompanhamento com nefrologista uma vez por ano, realizando exames de sangue e urina para acompanhar a saúde do seu rim. Também é preciso manter a pressão arterial em equilíbrio, evitar o diabetes e adotar hábitos de vida saudáveis

O rim transplantado dura para sempre?

Alguns pacientes permanecem com o rim transplantado funcionando por mais de 10 anos, mas em alguns casos esse tempo pode ser menor. Características relacionadas ao receptor do órgão, como número de transfusões sanguíneas, transplantes anteriores; intercorrências ocorridas no momento do transplante renal e ao próprio rim que foi doado impactam nesse funcionamento do órgão. Outras condições que afetam o rim transplantado e podem alterar sua função são as infecções urinárias, obstruções na via de saída de urina e rejeições agudas ou crônicas (nesta situação, o organismo passa a reconhecer o rim recebido como estranho).  Com o intuito de minimizar essas complicações, destacamos a importância do uso correto dos imunossupressores e o acompanhamento regular com a equipe de transplante para garantir a longevidade do rim transplantado. Esse acompanhamento mais próximo com o nefrologista irá proporcionar o tratamento precoce de intercorrências como rejeição, infecções oportunistas, dentre outras. 

A doação renal, seja ela por doador aparentado ou não, é um ato de amor, altruísmo e extrema generosidade por proporcionar ao paciente transplantado renal uma melhor qualidade de vida, maior sobrevida e liberdade em sua rotina diária. A avaliação pré doação e a evolução das técnicas cirúrgicas têm tornado esse procedimento cada vez mais seguro para o doador, que pode manter uma vida normal depois da cirurgia. Por fim, converse sempre com seus familiares sobre o desejo de ser doador de órgãos após a morte. A doação transforma vidas! 

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