Por Alessandro Kerkovsky
É só mais uma sexta-feira. Daquelas que você sai de casa sem nenhuma pretensão. Mas aos poucos, uma brisa sopra em outra direção e os cenários vão se construindo. Você se depara com a equipe falando do fim de vida para um marido e filhos de uma lavradora de 55 anos que possivelmente sonhava em retornar para casa. Com a voz embargada e lágrimas nos olhos, cada um ali vivencia um pouco daquela dor, e cada um sai mais forte ou mais fraco, de acordo com a intensidade como viveu aquele momento. Pouco depois presto escuta a dois filhos, que hoje entendem claramente que a despedida se aproxima. A mãe, jornalista e professora, mulher forte, otimista, deu lugar a uma senhora debilitada sem condições de oferecer mais que sua presença inerte no leito da enfermaria. Parabenizo, no leito de UTI, o simpático senhor de 62 anos que aniversaria hoje, sem poder falar ainda entubado, velado pela filha que, emocionada, faz carinho no pai que esperou tanto o dia do seu aniversário para celebrar em casa, o que infelizmente não foi possível. Me deparo com a história de uma mulher guerreira com 2 filhos muito jovens, que fala da própria morte de uma forma tão sincera que me desconcerta. Um discurso de fé, uma parcela de renúncia do marido à própria vida para se fazer presente. Quatro histórias que são faces diferentes do AMOR. O amor que crê, que cresce, que dói, que espera o milagre e que conforta. Nesses cenários, onde tantos olhariam com tristeza, escolho ver beleza, opto por enxergar transformação e ser grato por testemunhar VIDA. A vida que se esvai, que pode não mais ter o gosto da concretização de sonhos, mas carrega a doçura de experimentar o que é amizade, o que é parceria, o que é amor puro e desinteressado. Pois só quando o outro não possui mais utilidade aparente é que consigo filtrar de fato e genuinamente o tamanho da sua importância. Talvez, na segunda-feira, muitas dessas pessoas já tenham seguido seu destino, mas no dia de hoje não somos pacientes e equipe, somos pessoas que sofrem e pessoas que estão. Se não somos capazes de estar nessa condição, repensemos, pois nosso trabalho não fará mais tanto sentido.