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Demências: o que é preciso saber para conhecer, cuidar e prevenir

Por Paula Azevedo

Escrever sobre demência não é uma tarefa fácil, mas decidi iniciar esse caminho conceituando-a, no seu sentido mais amplo e genérico para depois afunilar em suas características, sintomas, diagnóstico e prevenção.

Uma das definições mais interessantes e lógicas que já ouvi sobre demência veio de uma linguista, filha de uma paciente com Doença de Alzheimer, em uma palestra numa casa de repouso, enquanto aguardava minha vez de falar. Ela definiu demência no sentido mais etimológico da palavra para depois falar sobre o sentido emocional, como principal cuidadora de sua mãe portadora do tipo mais frequente das demências. “A palavra mente, de origem do latim “méntem”, significa pensar, conhecer, entender, medir e ponderar; o prefixo “de”, também de origem latina, indica repartição, separação, afastamento. Por isso, demência é separar-se, é perder-se da sua própria mente.” 

Demência é um termo geral que descreve esse conjunto de sinais e sintomas que apontam uma progressiva dificuldade de pensar, raciocinar, tomar decisões, planejar, organizar, reconhecer, gerar memórias e aprender. A constante progressão faz com que essa dificuldade se torne uma incapacidade permanente do indivíduo gerir-se profissionalmente, socialmente e como pessoa, interferindo definitivamente em suas atividades de vida diária.

Os sintomas mais comuns das demências são a perda da memória, principalmente a de curto prazo, a diminuição das habilidades cognitivas superiores, como a organização, a tomada de decisão, o planejamento, o manejo financeiro, a orientação no tempo e no espaço, e o declínio de habilidades sociais e comportamentais, por exemplo a desinibição (falar e agir de forma inadequada e inoportuna), mudanças de personalidade, falta de vontade e de iniciativa, alterações do humor, alucinações, agressividade e etc. A depender do tipo de demência com a qual estamos lidando, esses sintomas se distribuem de maneiras diferentes tanto na apresentação da doença quanto na proporção e na prevalência em cada uma delas.

Existem vários tipos de demência, contudo, é essencial dividi-la em dois grandes grupos: o das causas reversíveis e o das causas degenerativas não-reversíveis. Uma vez que sempre que estamos diante de um paciente com os sintomas descritos acima, o esforço e rapidez diagnósticos são para buscar uma causa reversível e tratá-la com total agilidade. 

As causas reversíveis mais comuns são os efeitos colaterais de medicações, transtornos do humor (depressão e ansiedade), hidrocefalia, disfunções tireoidianas, deficiências de vitaminas e baixa oxigenação cerebral. Isso é tão, mas tão importante, que vou explicar um pouco mais detalhadamente. Existe uma epidemia de prescrição indiscriminada e banalizada de medicações benzodiazepínicas, como o clonazepam (Rivotril), alprazolam (Frontal), diazepam, bromazepam (Lexotan), entre outros. Essas medicações afetam diretamente nossa capacidade de formar e armazenar novas memórias, pois impedem que nosso sono superficial evolua para o sono REM (rapid eye movements ou movimento rápido dos olhos), que é a fase do sono em que consolidamos as lembranças do que vivemos e aprendemos durante o dia. 

Outro grupo de doenças que também afetam nossa cognição e nossa mente são as infecciosas, tais como HIV, as hepatites, a sífilis, a família das herpes e, mais recentemente, a COVID-19. Esse grupo transita entre o de causas reversíveis e o de não-reversíveis, pois dependem da rapidez e assertividade diagnósticas e terapêuticas. Se tratadas ou controladas a tempo, é possível mudar seu impacto cerebral, caso contrário, podem se tornar causas não-reversíveis de demências.

O grupo das degenerativas inclui a demência mais prevalente em todo o mundo que é a Doença de Alzheimer, as demências por alterações dos corpúsculos de Lewy (proteína importante para o funcionamento adequado dos neurônios e engloba a demência por Doença de Parkinson e a Demência por corpúsculos de Lewy), a demência frontotemporal, a demência vascular, dentre outras mais raras e complexas que compõem um subgrupo muito menor dentro desse. 

O diagnóstico é feito reunindo evidências colhidas após uma boa anamnese e exame neurológico, avaliação neuropsicológica, investigação laboratorial das causas reversíveis, realização de uma neuroimagem, principalmente ressonância de crânio, cintilografia cerebral e tomografia por emissão de pósitrons, e, em casos selecionados, análise do líquido cefalorraquidiano para exclusão de infecções e dosagem de proteínas cerebrais específicas. 

O tratamento dependerá bastante da causa da demência e deve ser individualizado para cada paciente. Ele se inicia discutindo o diagnóstico com o paciente, se ainda houver qualquer tipo de entendimento por parte dele, e com sua família, para que seja traçado um plano de ação. Esse planejamento tem como objetivo ajudar o paciente e sua família a organizar seu cuidado, readequar a casa, programar-se financeiramente e alinhar os cuidados de fim de vida.

Quando pensamos na prevenção e no cuidado do nosso cérebro, estamos falando de um conjunto de ações que começam desde a nossa infância. Levar uma vida saudável, crescer num lar harmonioso, ter acesso a saúde e educação e interagir socialmente nos distanciam das demências. Evitar o tabagismo, o consumo de drogas ilícitas e o uso abusivo de álcool são fundamentais para a preservação cerebral. Manter uma alimentação balanceada, baseada na dieta mediterrânea, praticar exercícios físicos regularmente e com constância (4 vezes por semana, de 40-60min) são hábitos que comprovadamente preservam nossa saúde cerebral e têm impacto positivo direto no cérebro portador de doença neurodegenerativa, pois reduzem as chances de outras comorbidades como a hipertensão arterial, o diabetes mellitus, a obesidade, a dislipidemia, entre outras e estimulam a formação de novas sinapses cerebrais que são as conexões entre os neurônios, células que compõem nosso cérebro. O cuidado com o cérebro se encontra no aprender um novo idioma, ou a tocar um instrumento musical, ou desenvolver uma habilidade manual. O cuidado com nosso cérebro se encontra no equilíbrio, na arte e no movimento. 

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