Por Lilia Lavor
Cara amiga,
Não quero ocupar, aqui, o lugar de quem sabe o que você sente: eu não sei. Então começo delimitando o lugar de onde falo, que me permite estar à vontade para dizer: você não está sozinha. Minha compreensão vem da escuta e disponibilidade que a psicologia me permitiu, conhecendo e acompanhando centenas de mulheres que atravessaram o tratamento de câncer de mama, durante meu trabalho nos últimos anos.
A intenção em deixar claro que não sei o que você sente, mas posso compreender, tem o propósito de não reduzir a história da sua trajetória a um caminho de etapas cheias de estereótipos. Por mais que existam protocolos, que facilitem a construção de uma certa previsibilidade do processo, ou seja, facilitem considerar esperadas algumas reações físicas e emocionais ao longo do diagnóstico e tratamento, a vivência é exclusivamente sua. “O sentido pertence ao sentidor, aquele que sente a dor” , essa frase é da psicóloga Gestalt terapeuta Karina Fukumitsu, que reforça a ideia de que cada dor tem um sentido singular, exigindo disponibilidade e escuta para acessá-la.
Vamos combinar que a ideia de singularidade fica um pouquinho mais difícil, quando já existe uma expectativa prontinha para ser correspondida. Tudo bem se em alguns dias o lugar de “guerreira” ou “heroína” te cai bem, o problema é se esse lugar impõe uma rigidez mediante os dias de cansaço e exaustão. Sabe aqueles dias em que a gente não quer nada? Que estamos cansadas de tudo? Que a gente só queria que o mundo desse uma paradinha, para recuperar um pouco as forças, dar uma choradinha, ficar sentada embaixo do chuveiro e não falar com ninguém? Sabe aqueles dias que você não quer mais ouvir que “vai passar” ou que “é só um peito, o importante é sua saúde” ou que “cabelo cresce”? Deixa eu te contar uma coisa: viver dias assim, não significa que você fracassou. Sentir raiva, não significa que você fracassou.
A sensação de fracasso, porém, pode ser associada a questões culturais que fazem com que meninas sejam socializadas para serem multitarefas. Apesar da busca por ocupar mais espaços na sociedade ao longo dos últimos anos, levando muitas mulheres a alcançarem mais autonomia e independência, continuamos sendo responsáveis por funções e comportamentos tradicionalmente femininos, como o cuidado da casa e da família, sacrifícios em benefício do próximo, sensibilidade às necessidades ao redor, resiliência, serenidade, enfim. Pensa comigo: conquistamos espaço, mas não exatamente uma mudança no papel feminino, e sim um acúmulo de funções. Sendo assim, diante do adoecimento, diante de um tratamento que debilita e fragiliza, a percepção de não ser capaz de continuar dando conta de tudo aparece como fracasso.
Se você veio comigo até aqui, vou fazer um convite: procure identificar melhor o que cada pensamento ou situação causa em você. Não! Isso não vai aumentar sua tristeza ou sua raiva. Essas emoções fazem parte do processo, elas já estão por aí. Nomeá-las é um ato chamado de “rotulagem de afetos” e vai te ajudar na regulação emocional. Normalmente, pensamos que evitar situações que nos despertam “sentimentos ruins” é a melhor forma de nos regular – evitar sentir. O problema é que apesar do outubro ser rosa, não conseguimos nos blindar de todas as frustrações, e alguns dias têm cores menos vibrantes ou são nada coloridos. Trazendo a emoção para o crivo da razão, desenvolvemos a capacidade de reavaliar e reinterpretar, impactando a intensidade da forma como a emoção se manifesta.
O segundo convite é acreditar que, próximo a você, existe uma possível rede de suporte, capaz de ajudá-la nessa regulação emocional, e nós chamamos essa ajuda de corregulação. Talvez essa rede não seja formada por quem está mais próximo a você, dentro de casa. Você pode se sentir mais confortável compartilhando sentimentos com uma amiga, entrando em algum grupo de suporte no qual outras mulheres vivenciam o mesmo tratamento, ou até mesmo buscando um profissional especializado, que acolha, valide e construa junto com você um espaço seguro para atravessar as confusões que o momento traz.
Por fim, faço um terceiro convite: quero te contar que, mesmo se você aprendeu durante a vida a priorizar o conforto dos outros, ser generosa e agradável, evitar “incomodar” pedindo ajuda, talvez existam pessoas disponíveis à sua volta para ouvi-la e compreendê-la. Permitir a proximidade da rede de suporte ou identificar quem pode fazer parte dela facilita a promoção de espaço para o seu autocuidado, para conhecer melhor suas necessidades físicas, psicológicas e espirituais. Abraçar e conhecer seu processo é preventivo, pois lembre-se: generosidade começa a custar caro quando você tem por todo mundo, menos por você.
Com amor,
Lília