Cuida

Sobre a beleza da natureza

Por Giovanna Zanatta

Eu vim do Pantanal. Na verdade, minha cidade é Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, mas como a natureza existente no Pantanal colore a cidade de forma abundante e está entremeada nela, eu sempre digo que vim do Pantanal. Considero isso um orgulho enorme, porque desde pequena as maravilhas da natureza sempre estiveram escancaradas diante de mim.

Tem um poeta sul-mato-grossense chamado Manoel de Barros, um senhor que era tímido para falar mas com uma facilidade enorme em demonstrar em seus textos o deslumbramento pela simplicidade da natureza. Em um dos poemas ele diz assim:

“Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade 

das tartarugas mais que a dos mísseis

Tenho em mim esse atraso de nascença.

Eu fui aparelhado 

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior que o mundo.”

Esse poema reverbera em mim de tantas formas que é difícil explicar. Vivendo na cidade de São Paulo há muitos anos, percebi cada vez mais o quanto a natureza em sua forma mais abundante faz falta ao meu redor. Como médica intensivista, passo 12 horas de plantão na UTI durante os dias da semana, cercada por paredes brancas, luzes artificiais e ar condicionado sempre ligado, o que garante um ambiente constantemente nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP). No entanto, mesmo nesse cenário hermético, considero-me abençoada por trabalhar em uma UTI cheia de janelas enormes em cada leito, o que garante muita luz natural durante o dia e que possibilita a mim e aos pacientes saber se lá fora chove, se o pôr do sol está alaranjado, ou se está ventando forte a ponto de chacoalhar a copa das árvores. Essas janelas, consideradas um artigo de luxo numa UTI (são raras neste setor dos hospitais), tornam meus dias mais agradáveis. Em meio à frenética rotina dos plantões, às vezes só consigo olhar apenas de relance para o lado de fora, dada a importância dos pacientes sob meus cuidados do lado de dentro. No entanto, esses momentos fugazes me lembram da beleza do mundo lá fora, trazendo um alívio temporário ao ambiente estéril da UTI.

Para poder me reconectar com o que me faz bem e me traz de volta ao meu centro de equilíbrio e às minhas origens, aprendi então a encontrar a natureza no meu dia a dia. Decidi transformar meu apartamento em um refúgio verde, enchendo-o de plantas grandes. Quem observa minha varanda da rua, provavelmente imagina que dentro mora uma senhorinha que veio da roça, inconformada, em virtude da Mata Atlântica que criei aqui. E é tão prazeroso chegar em casa depois de 12h no hospital, regar as plantas e achar as folhinhas novas que a cheflera dá toda semana, os botões que nasceram do manacá-da-serra pra perfumar a casa, e observar como ficam cada vez mais compridos os tentáculos do meu rabo-de-macaco. Cada dia é uma surpresa nova ver a natureza brotar, renascer, se desenvolver, crescer. E tudo isso bem pertinho, para ser admirado e curtido devagar. 

Para quem ainda não tem plantas em casa, ou acha que não tem “dedo verde” para cuidar delas, ou acredita que dá trabalho / é difícil / não vai fazer tanta diferença assim dentro de casa, faço a seguinte sugestão: compre uma palmeirinha chamada ráfis. Comece por ela. Dê uma chance. Tem em qualquer supermercado e é barata. Resistente, de fácil manutenção, versátil, dificilmente atacada por pragas. Escolha uma que esteja cheia de brotos na base. Ela cresce e a copa se abre, preenchendo o espaço. Coloque na sala e veja como imediatamente já dá vida ao lugar. Se você for começar com vasinhos de violetas, orquídeas ou outras plantinhas pequenas assim, elas são mais exigentes, sensíveis e, como são menores, não gerarão o impacto que uma planta grande traz ao ambiente. Após adquirir sua primeira planta de porte maior, talvez você se surpreenda ao sentir o desejo de viver em um ambiente com mais verde e comece a preencher os espaços com outras espécies. Dê uma chance à natureza dentro de sua casa – ela pode transformar não apenas seu ambiente, mas também seu estado de espírito.

Existem experiências que só podemos apreciar a pé. Tentar absorvê-las enquanto dirigimos no frenesi do dia a dia é praticamente impossível, pois é preciso estar atento às placas, aos pedestres e aos outros carros. Andando, podemos focar nas coisas desimportantes, como diz Manoel de Barros. Ao sair pelas ruas, experimente enxergar além do comércio agitado, das buzinas e das pessoas apressadas olhando o celular. Guarde o telefone na bolsa, caminhe e permita-se observar as árvores em seu caminho. Foi assim que descobri um pé enorme de pitanga na minha rua e minha surpresa foi ainda maior ao encontrar um pé de jaca carregado na rua de baixo. 

Mesmo em uma cidade grande como São Paulo, as opções são diversas: tem manacás (aquelas que dão flores grandes, nas cores rosa e branca simultaneamente), espatódeas (aquelas lindas da flor alaranjada), flamboyants. Muitas vezes, nas casas ainda podemos encontrar jasmins, sapatinhos-de-judia (estes formam cortinas coloridas que nos obrigam a parar para absorver tamanha beleza) e costelas-de-adão. Mês passado foi época dos ipês brancos e as ruas de várias cidades ficaram repletas dessas árvores que perdem todas as folhas na época da florada e fica parecendo que nevou, com seus troncos marrons cobertos com flores brancas. E atenção: quando encontrar uma árvore dessas em seu caminho, pare para observar. As flores duram menos de uma semana, então, se você passar apressado pensando em voltar depois, já será tarde demais. Tente também reparar quantos tons diferentes de verde existem nas árvores e arbustos – é uma paleta de cores infinitamente maior que o catálogo de tinta de parede. 

Além de treinar o olhar, comece a ouvir os sons da natureza. Mesmo na metrópole, todo fim de tarde os sabiás-laranjeiras começam a cantar se preparando para dormir. É uma linda sinfonia. De forma menos frequente, mas ainda com certa periodicidade, ouço bem-te-vis pelo caminho. E obviamente as maritacas, escandalosas que são, ficam tagarelando o dia inteiro em voz alta. Eu amo. 

De tempos em tempos, reforço meu autocuidado me embrenhando no meio do mato durante um fim de semana. Para mim, é fundamental desconectar das demandas do cotidiano e ir ao encontro da natureza em seu estado mais puro, em que a vida pulsa em abundância e as cores, aromas e melodias são infinitos. Saber reconhecer o que nos traz paz é essencial para o nosso bem-estar psíquico e equilíbrio emocional, e a natureza é uma fonte maravilhosa de detalhes surpreendentes. Basta treinar nosso olhar para apreciar o espetáculo que já está escancarado diante de nós.

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