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Viva a revolução das vacinas!

Por Ana Carolina D’Ettores

Uma frase que sempre uso no meu dia a dia é “Se você não gosta de vacinas, não podemos ser amigos”, e essa é uma grande verdade para mim, embasada em diversos motivos. O principal deles é que as vacinas são revolucionárias! Elas representam um grande marco na história da humanidade, pois foram capazes de mudar a forma como vivemos e alterar a estrutura de toda a sociedade.

O surgimento das vacinas ocorreu no final da década de 1790, quando Edward Jenner desenvolveu e publicou o primeiro estudo sobre o inoculante contra a varíola humana, uma das doenças mais letais de que se tem notícia. Para se ter uma ideia, a doença matou mais de 300 milhões de pessoas só no século XX (dados da FioCruz) e foi ERRADICADA em 1980, graças às vacinas!

Com o desenvolvimento de novos imunizantes, houve um grande impacto na saúde global. No século XIX, pouco tempo após o surgimento da primeira vacina, a expectativa de vida mundial era em torno de 32 anos. Atualmente, com a grande cobertura vacinal, a expectativa de vida é de 73,3 anos. O resultado benéfico das vacinas não se reflete somente no aumento do tempo de vida dos adultos mas também na redução drástica nos números de morbimortalidade infantil. Com as campanhas de vacinação começando desde os primeiros meses de vida, menos crianças adoecem ou morrem. 

As melhores condições sanitárias e as crianças cada vez menos doentes possibilitaram que as mulheres, antes restritas ao ambiente doméstico, entrassem no mercado de trabalho. Este foi um grande marco no surgimento do movimento de independência feminina. Vale ressaltar que, mesmo trabalhando fora, as mulheres não deixaram de prover cuidados a suas famílias mas, ao contrário, ganharam melhores condições de saúde, em parte graças às nossas queridas vacinas.

Porém, a varíola é uma história muito antiga, quase condenada ao esquecimento, não é mesmo? Infelizmente, muitos jovens sequer a conhecem. Acredite, boa parte da população desconhece o fato que pessoas nascidas em anos anteriores a 1980 têm uma marquinha no braço esquerdo, resultado da vacina da varíola. 

Trazendo o foco para uma história mais recente, temos o sarampo, que só se tornou alvo de imunização coletiva a partir de 1963. Uma doença grave, de altíssima infectividade (de cada 10 pessoas não imunizadas expostas ao vírus, 9 serão infectadas), com alta letalidade, acometendo, sobretudo em formas mais graves, majoritariamente crianças menores de 5 anos. Ela é prevenível por uma vacina segura, que apresenta  97% de eficácia para evitar infecção e é distribuída gratuitamente pelo programa nacional de imunização (PNI) a todos os brasileiros. 

Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de eliminação do sarampo, concedido pela OMS, que foi perdido, três anos mais tarde, com a reintrodução do vírus no país e o aparecimento de novos casos. Desde 2019, observamos uma queda vertiginosa na cobertura vacinal mundial contra o sarampo, com 50,7% da população-alvo imunizada contra a doença, o que resultou em 207 mil mortes globais. No Brasil, chega a ser vergonhoso pensar que, apesar de a vacina estar disponível em todas as unidades de saúde do Brasil, muitos pais optam por não imunizar seus filhos. 

No futuro, ao falarmos da história da vacina, não poderemos deixar de mencionar a pandemia da COVID-19. Todos nós somos sobreviventes, mas eu, e digo isso sem desejo de receber honrarias, estive na linha de frente desde o começo da emergência global, um início obscuro, incerto e repleto de medo. Quando todos se escondiam do desconhecido, eu estava lá, na frente da batalha  (e aqui preciso pontuar que tenho o maior orgulho de ter, literalmente, estado ao lado de Carol Sarmento nessa luta). Vi com meus olhos a história natural da doença. O que muitos vivenciaram de maneira digital, na frente do computador, eu vi ao vivo, em primeira mão, de forma muito palpável. Tanto sofrimento, tanta dor, quase 7 milhões de mortes pelo mundo, desde o começo da  pandemia. Uma doença que causou um colapso mundial e foi drasticamente modificada pelo surgimento das VACINAS. 

No entanto, enquanto nós que estávamos na linha de frente comemorávamos com alívio a chegada das primeiras vacinas, que representariam uma mudança completa de tudo aquilo que estávamos vivenciando, em especial a redução de mortes e das hospitalizações, surgia um movimento que andava na contramão dos avanços científicos: a turma anti-vax. 

Apesar de não serem numerosos, eram barulhentos e contavam com membros reconhecidos em todo o mundo, como o tenista Novak Djokovic, o astro da NBA Kyrie Irving e o cantor Kanye West, entre outros. Além disso, fomos  soterrados por uma avalanche de fake news, repletas de desinformação, argumentações vazias e  afirmações do tipo “querem inocular partículas de vírus em mim!?”. O mesmo tipo de ignorância e desconfiança enfrentadas por Edward Jenner, nos idos de 1796. É incrível que ainda tenhamos questionamentos do tipo, “como podem desenvolver uma vacina tão rapidamente?”, em um mundo onde o conhecimento médico duplica a cada 73 dias e uma verdadeira legião de cientistas e pesquisadores uniram esforços para desenvolver em tempo recorde uma vacina. Enfrentamos essas ondas reversas e saímos vitoriosos. Hoje a COVID-19 já não é mais a ameaça desconhecida que era em 2020, graças às vacinas. 

Entretanto, é com muita tristeza que constatamos que a cobertura vacinal contra a COVID-19 ainda não atingiu as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. O movimento anti-vax é multidimensional, existem diversos argumentos daqueles que o seguem mas, o mais frequente é de que as pessoas devem ter a liberdade de escolher se querem se vacinar ou não, que têm  o direito de decidir sobre sua própria saúde, o que é uma grande falácia. 

Quando falamos de vacinas estamos falando de saúde coletiva e não individual. Se partimos do pressuposto de que uma pessoa que se recusa a vacinar é de uma classe social elevada, que teve acesso à educação, à saúde, que goza  de uma boa condição socioeconômica e bom status nutricional, o fato de escolher não se vacinar talvez não gere um impacto tão grande em sua saúde. Esse indivíduo terá fácil acesso à assistência em saúde de qualidade, o que garantirá sua recuperação. Porém, esse mesmo indivíduo ainda será um elo na cadeia de transmissão da doença e,por este motivo, ela se perpetuará  e seguirá infectando outras pessoas até atingir uma criança subnutrida, um idoso, ou qualquer outra pessoa do grupo de risco, que pode não ter acesso ao sistema de saúde e que certamente morrerá. 

Vacinas não são cuidados individuais, são estratégias de saúde coletiva e constituem uma poderosa ferramenta capaz de erradicar doenças. É um pacto social que devemos fazer enquanto nos entendemos como comunidade, como humanidade, visando a saúde de todos, do rico ao pobre, do saudável ao vulnerável. 

Vacinas salvam vidas.

Vacinas são revolucionárias.

Vacinas sim. 

Vacinas sempre!

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