Cuida

Acredite, ninguém quer ser tratado pelo Dr. House

Por Lilian Trigo

O que você espera de um médico quando está doente? Pense bem e responda. Se você esteve doente ou teve algum familiar doente, a resposta é simples: competência para realizar um diagnóstico preciso e empatia. Tanto a capacidade técnica do médico para descobrir o que aflige o paciente – e tratá-lo – quanto a habilidade de levar em consideração o que é importante para ele, sejam suas crenças, esperanças, desejos e expectativas. Estes são elementos essenciais para o desenvolvimento de um bom relacionamento terapêutico. Mas, afinal, o que é empatia para um médico? De acordo com o Dr. John L. Coulehan, especialista em medicina preventiva é “… a capacidade de entender a situação, a perspectiva e os sentimentos do paciente e ser capaz de comunicar esse entendimento ao paciente. “

Se isso realmente é verdade, o que explica a adoração ao tipo de médico representado na série Dr. House? Desde a estreia, em novembro de 2004, ela foi um retumbante sucesso, tanto pela brilhante interpretação do ator Hugh Laurie quanto pelos roteiros inteligentes e cheios de sarcasmo. A série mostrava um médico diferente de tudo que já se tinha visto. Gregory House era um gênio que conseguia desvendar os diagnósticos mais misteriosos, apesar de seus métodos pra lá de excêntricos. Misantropo, dono de um personalidade antissocial que, em muitos momentos, beirava a grosseria, a única coisa que ele gostava menos do que lidar com pacientes era ter que interagir com as famílias deles. Uma de suas falas mais memoráveis na série é “O que você prefere – um médico que o ignora enquanto você melhora ou um que segura sua mão enquanto você morre?”  

A medicina moderna é a das especialidades. O médico que trata o olho direito, não trata o esquerdo (Não é bem assim, mas vocês entenderam). O que é cientificamente avançado, acabou desumanizando a prática. Ao invés de tratar a pessoa como um ser total, passou a tratar a doença e seus sintomas. E é nesse universo que Greg House prospera, afinal, ele, como todo sociopata altamente funcional, não se preocupa com o sofrimento do paciente, só em achar a raiz do problema. 

Quando você está doente ou, como no meu caso, se machuca, tudo que você quer é estar sob os cuidados de alguém que, além de segurança, demonstre um pouco de humanidade. Deixa eu te contar uma experiência que tive. Recentemente,  quebrei o punho esquerdo e o pé direito numa queda. Desde o primeiro atendimento, pude experimentar um pouco dessa tal medicina. Entre idas e vindas, puxa e estica para alinhar o osso, RX pra ver se estava tudo certo, mais uma sessão de puxa e estica e raio X, o médico parecia menos interessado no meu bem-estar – ou na falta dele – do que em saber por que eu não estava urrando de dor tendo dois ossos quebrados. Esse foi só o primeiro round. O segundo foi alguns dias depois. Dessa vez, quem me atendeu foi uma médica, que não se acanhou a me repreender por estar pisando no chão com o pé quebrado. Tecnicamente, ela, como o médico do atendimento anterior, foi perfeita. Fez todas as perguntas certas, deu explicações baseadas em evidências e me encaminhou para receber o tratamento necessário para aliviar o desconforto até que a cirurgia fosse marcada para resolver a situação. O único problema é que, no quesito da empatia, ela falhou vergonhosamente. 

Os médicos que me atenderam, assim como os pupilos de House, frequentaram um hospital-escola, o que significa que estiveram em contato com pacientes desde os primeiros anos da faculdade. Sem dúvida, eles são bem treinados, inteligentes, inovadores e concentrados em tratar e resolver o problema. Receberam todos os ensinamentos, aprenderam as técnicas e desenvolveram as habilidades de fazer um diagnóstico, só não foram ensinados a ter a coisa mais importante para praticar a boa medicina: compaixão. Aquela qualidade de se identificar com a dor alheia e reconhecer em si as mesmas condições de sofrimento e de mortalidade. Não aprenderam que o melhor atendimento é aquele que gera a adesão do paciente, e isso só é possível quando existe uma sintonia entre as duas partes. 

Na série, House faz o possível para se manter distante dos pacientes. Quando é obrigado a atender casos corriqueiros na clínica do hospital, se mostra sempre desrespeitoso e deixa bem claro que não dá a mínima para as pessoas. Ninguém espera que ele seja simpático, uma vez que o apelo da série é mostrar um médico com qualidades – e defeitos – completamente diferente dos apresentados em séries do gênero. Greg House consegue fazer um strike e não ter simpatia, empatia e compaixão por seus colegas e pacientes. Simpatia significa expressar preocupação emocional, enquanto a empatia é demonstrar uma compreensão emocional. E compaixão, a mais importante das três, é o plus da ação executada junto à empatia. 

Na medicina está cada vez mais provado que a empatia desempenha um papel fundamental na interação entre médicos e pacientes. Pesquisas publicadas entre 1995 e 2015 observaram que a empatia demonstrada pelos médicos contribui para o contentamento e a saúde psicológica dos pacientes, além de levar a resultados clínicos mais positivos. Quando se fala de gênero, as mulheres são vistas como sendo mais atenciosas do que os homens, graças à uma disposição natural para falar de maneira calma e demonstrar mais interesse pelas queixas do paciente. 

No entanto, um estudo recente mostra que o nível de empatia diminui gradualmente ao longo da carreira médica. Apesar da empatia raramente fazer parte das matérias abordada durante a faculdade, ela pode ser aprendida por meio de especialidades que priorizam o cuidado compassivo e promovem prevenção e alívio de sofrimento mental e físico, tratando a dor e também os problemas psicossociais e espirituais, além de proporcionar melhor qualidade de vida para pacientes com doenças que ameaçam a vida e, por consequência, aos familiares deles. 

Embora as habilidades clínicas e diagnósticas do Dr. House sejam incontestáveis, ele não tem o elemento essencial para ser um grande médico. Por sorte, ele só existe na ficção – mesmo que alguns médicos “de verdade” achem bacana imitar seu estilo. As qualidades de um bom profissional da medicina são seus conhecimentos em sua área de atuação, o trabalho em equipe e a capacidade de sentir compaixão com o sofrimento do outro. Essas coisas não são excludentes, e os pacientes não deveriam ter que escolher entre uma ou outra.

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