Por Lilian Trigo
Em 2015, Angelina Jolie causou espanto quando revelou ter feito uma mastectomia bilateral profilática, ao descobrir uma predisposição genética hereditária para o câncer de mama (a atriz é portadora de uma mutação do gene conhecido como BRCA1). O histórico familiar apoiava sua decisão, uma vez que sua mãe, Marcheline Bertrand, havia sido vítima de câncer de mama e de ovário. Durante a maior parte de sua carreira, Jolie teve que conviver com a curiosidade e o julgamento das pessoas sobre sua vida pessoal. Dessa vez não foi diferente. Ela foi duramente criticada por especialistas que afirmavam que sua atitude poderia gerar uma onda de mulheres procurando um procedimento radical e desnecessário. Mas o que levou Angelina a tornar pública uma decisão tão íntima? A resposta é simples: controlar a narrativa. Afinal, se ela vem a público falar de sua saúde, são mínimas as chances de algum gaiato ganhar dinheiro vendendo a história para transformar um assunto sério em notícia sensacionalista.
Ultimamente, vários artistas têm seguido esse caminho. No ano passado, a família de Bruce Willis comunicou que o astro estava encerrando a carreira por estar sofrendo de demência frontotemporal, uma doença degenerativa que geralmente ocorre mais cedo do que outros tipos de perda de memória. No seu aniversário de 68 anos, as filhas, a esposa atual e a ex, Demi Moore, compartilharam um vídeo de Willis apagando as velinhas. Em questão de minutos, a postagem recebeu inúmeros comentários condenando a exposição desnecessária do ator. O que é legítimo nesse caso: a família mostrar como Willis está ou algum paparazzo fotografar o ator debilitado?
Os documentários têm sido um dos meios favoritos dos artistas para falar de suas enfermidades e seus desafios pessoais. Lady Gaga, em Five Foot Two, expõe corajosamente o quanto a dor causada pela fibromialgia debilita sua saúde. Selma Blair, diagnosticada com esclerose múltipla em 2018, protagonizou o documentário Introducing, Selma Blair, no qual mostra detalhes de sua vida e de seu tratamento. O ator Chris Hemsworth, que interpreta Thor nos filmes da Marvel, descobriu, por meio de testes genéticos, que é portador de duas cópias do gene ApoE4, herdado de seus pais, o que significa até 10 vezes mais chances de desenvolver Alzheimer. A revelação foi feita na série documental Limitless, da Disney+.
O ator Michael J. Fox no recente – e ótimo – documentário Still: Ainda sou Michael J. Fox, fala sobre o mal de Parkinson, doença com a qual convive por mais da metade da vida. Michael recebeu o diagnóstico em 1991, quando tinha 29 anos e vivia o melhor momento da carreira. Por anos ele escondeu sua condição, disfarçando os tremores com pequenos truques enquanto tentava viver uma vida normal. Quando anunciou que estava doente, ele o fez com uma honestidade desarmante e começou uma verdadeira cruzada de conscientização sobre a doença (só a fundação criada por ele já arrecadou 2 bilhões de dólares destinados à pesquisa). O título do doc é uma grande sacada: still, em inglês, significa ficar parado. A história de Michael J. Fox mostra que o mal de Parkinson pode até não ter cura, mas nem ele é capaz de parar uma mente inquieta.
Os livros também têm sido grandes aliados quando as celebridades precisam contar suas histórias. O recém lançado A mulher em mim, biografia de Britney Spears é, além de uma leitura obrigatória, um grande acerto de contas. Com a família, com a imprensa, com a fama e consigo mesma. É uma reflexão sobre como Britney, ao passo que ficava famosa e fazia sucesso, foi perdendo o controle da própria vida. Nada ficou de fora, sejam os danos psicológicos, a exploração por parte de pais, agentes e empresários, a criação da persona de virgem supersexualizada, os dramas pessoais como as traições, o coração partido, o aborto, a depressão pós-parto e, o pior de tudo, a batalha judicial contra o pai (que, por sinal, não deixa nada a dever aos vilões do cinema). A imprensa também merece destaque, especialmente pela maneira cruel, invasiva e leviana com que a tratou. Felizmente, ao contrário do que aconteceu com Whitney Houston, Britney Spears conseguiu seu final feliz, mas não sem sofrimento: “A liberdade de fazer o que quero me devolveu minha feminilidade. Agora que estou nos quarenta, estou experimentando as coisas como se fosse a primeira vez. Sinto que a mulher em mim foi diminuída por tempo demais.”
Todas essas histórias nos deixam uma reflexão: o fato de alguém ser conhecido/famoso/notório não dá a ninguém, nem mesmo aos fãs, permissão para devassar sua vida. Esta é uma coisa tão básica que nem precisaria ser lembrada. Existe um limite que nunca deveria ser ultrapassado. As pessoas têm o direito à privacidade e ninguém deveria ser obrigado a falar sobre a saúde, a sexualidade, o relacionamento ou qualquer outra coisa, se não quiser. Por sorte, algumas pessoas conseguem transformar suas dificuldades em coisas positivas e até promover a discussão sobre assuntos importantes.