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Como a diabetes afeta sua saúde renal?

Por Janaína Garcia

A diabetes é um problema de saúde pública que vem atingindo níveis alarmantes. Segundo dados do Atlas Mundial de Diabetes (2021), da International Diabetes Federation (IDF), há um aumento global contínuo na prevalência da doença e mais de meio bilhão de pessoas ao redor do mundo vivem atualmente com ela . No Brasil, cerca de 15 milhões de habitantes são portadores de diabetes, o que o torna o 6º país com o maior número de pessoas com a doença. No mundo, em 2021, a diabetes foi responsável por 6,7 milhões de mortes e causou um gasto em saúde de 966 bilhões de dólares – um aumento de 316% em relação aos últimos 15 anos. Não é infundada a ideia de que atualmente ela é um dos grandes desafios globais para a saúde e o bem-estar dos indivíduos. 

Apesar de ser uma doença bastante conhecida pela população, ela segue cercada de mitos, desinformação e preconceitos. Um fator complicador é que cerca de 81% dos adultos com diabetes vivem em países de baixa e média renda, o que dificulta o acesso ao tratamento. O portador de  diabetes mellitus (DM) pode e deve levar uma vida normal, contudo, é fundamental ter um acompanhamento médico regular, adesão ao tratamento e estilo de vida saudável. Em 14 de novembro é comemorado o Dia Mundial da Diabetes, uma data para prevenção e conscientização da população acerca de uma patologia que é responsável por muitas mortes no mundo. 

Mas, afinal, o que é a diabetes?  Trata-se de uma condição crônica, que ocorre pela falta ou insuficiência de produção de insulina pelo pâncreas. A insulina é o hormônio responsável pela regulação dos níveis de açúcar no sangue. Níveis elevados de açúcar no sangue (hiperglicemia) podem causar problemas em muitas partes do corpo, em curto e longo prazos. 

Antes de qualquer coisa é muito importante saber que tipo de diabetes você tem. Sim, existem alguns tipos, mas os mais comuns são o tipo 1 e o tipo 2. A diabetes tipo 1 é uma doença de origem autoimune, responsável por aproximadamente 10% dos casos e normalmente se inicia na infância e adolescência. Nesse tipo de diabetes, o pâncreas não produz insulina suficiente e o paciente necessita tomar injeções para compensar a deficiência. Já a diabetes tipo 2, o tipo mais comum (cerca de 90% dos casos), normalmente ocorre em pessoas acima de 45 anos, embora também pode acometer os mais jovens. Está associada com a incapacidade de o organismo usar adequadamente a insulina produzida. Frequentemente, a DM tipo 2 vem acompanhada de obesidade e hiperglicemia. Nesses casos, pode ser controlada pela perda de peso, por exercícios e terapia medicamentosa oral. Em alguns casos, a insulina subcutânea também pode ser necessária. As evidências atuais demonstram que o surgimento da DM do tipo 2 pode ser prevenido ou postergado e alguns estudos trazem dados otimistas de que a remissão da diabetes tipo 2 possa ser possível em alguns casos. 

A diabetes não controlada pode causar danos sistêmicos, especialmente em órgãos vitais como rins, coração, olhos e nervos. Pode causar o desenvolvimento de hipertensão arterial, ou seja, pressão arterial sanguínea alta e endurecimento das artérias (arteriosclerose), que levam a doenças do coração e dos vasos sanguíneos. 

Cerca de um terço dos indivíduos com diabetes podem eventualmente desenvolver doença renal crônica (DRC). Segundo o Atlas de Diabetes, no mundo, 44% dos portadores de DM desenvolvem a DRC.  Alguns grupos, como os afrodescendentes, hispânicos, e indígenas podem ter um risco maior de apresentar essa complicação. 

Por ser uma doença silenciosa, a insuficiência renal é ainda mais perigosa, necessitando de um monitoramento periódico. O controle da glicose é um dos pilares do cuidado que o paciente diabético necessita implementar no intuito de prevenir complicações adicionais como a doença renal crônica, doenças cardiovasculares e retinopatia diabética. Além disso, algumas pequenas mudanças de estilo de vida como os cuidados com a pressão arterial, o uso correto de medicamentos, a prática de exercícios físicos, o controle do peso e o não consumo de cigarros e álcool podem reduzir o desenvolvimento de outras patologias. 

Ser diabético nem sempre significa ter problemas renais. O baixo controle da taxa glicêmica e da pressão arterial, assim como fatores genéticos predisponentes, pode favorecer o surgimento da doença renal crônica. Lembrando que a doença renal cursa em inicialmente com poucos sintomas, inespecíficos e pode ser confundida com outras patologias. Por essas características, muitas vezes a identificação da doença renal crônica só acontece em estágio avançado, quando os rins já se apresentam em fase crítica de funcionamento. Deve-se conversar com o médico generalista ou endocrinologista para saber se há algum comprometimento da função renal e, se houver, discutir formas de reduzir o risco de progressão para doença renal crônica avançada. Nesses casos, é necessário considerar o encaminhamento para o nefrologista, médico especializado em doenças renais.  

A atenção aos sinais de insuficiência renal crônica em pessoas com diabetes é muito importante! Para quem tem diabetes, o primeiro sinal costuma ser a presença de albumina (um tipo de proteína) na urina. Ela está presente muito antes de existir evidência de insuficiência renal nos exames de sangue. A albumina na urina pode também ser um sinal precoce de anormalidades nos vasos sanguíneos que podem levar a doenças cardíacas. Outro sinal de que as coisas não vão bem com os rins é a redução da função renal. Ela pode ser verificada estimando-se a taxa de filtração glomerular (TFG) por meio da dosagem de creatinina do sangue. Quando os rins estão comprometidos, eles não conseguem filtrar o sangue adequadamente e resíduos e toxinas começam a se acumular. O corpo passa a reter mais água e sal, o que pode resultar em ganho de peso e inchaço (principalmente nas extremidades). A pessoa começa a levantar mais vezes à noite e a pressão sanguínea pode ficar muito alta. 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), recomenda-se que toda pessoa com diabetes, entre os 12 e 70 anos, faça uma dosagem de albumina urinária ou da relação albumina / creatinina em amostra de urina anualmente. Deve-se fazer também o cálculo da TFG estimada a partir da creatinina sérica. Todo teste anormal de albuminuria deve ser confirmado em duas de cada três amostras coletadas em intervalo de 3 a 6 meses, em razão da grande variabilidade diária de produção de albumina. Fatores como febre, exercício intenso, insuficiência cardíaca descompensada, hiperglicemia grave, infecção urinária e hipertensão arterial não controlada podem elevar os valores da albumina urinária. Existem várias fórmulas para a estimativa da  taxa de filtração glomerular, mas a preconizada pela Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) é a Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI), que, entretanto, pode subestimar a TFG em pessoas com diabetes.

Você pode estar se perguntando: “E agora, se a diabetes afetou meus rins, o que posso fazer?”. Quem apresenta qualquer um dos sinais de insuficiência renal descritos acima, deve procurar o médico. Com exames de sangue e urina, ele pode dizer como os rins estão funcionando e indicar o melhor tratamento. A detecção precoce da insuficiência renal, com o tratamento adequado, pode impedir que ela se agrave. 

O especialista renal (nefrologista) planejará o tratamento junto com o paciente, a família e o nutricionista. As melhores formas de manter o funcionamento dos rins são o controle adequado do açúcar no sangue e da hipertensão arterial. Em relação à elevação pressórica, recomenda-se uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA), em virtude de vários estudos que demonstraram o papel dessas classes medicamentosas em retardar a perda da função renal e a reduzir a doença cardíaca na diabetes. Com a insuficiência renal diabética, a meta para pressão sanguínea deve ficar abaixo de 130/80. Em muitos casos, mais de um medicamento para hipertensão pode ser necessário para atingir essa meta. Deve-se também manter a glicemia controlada. Atualmente, dispomos de um maior arsenal para controle glicêmico. Um exame denominado hemoglobina A1c é utilizado para verificar a média de açúcar no sangue nos últimos 3 meses. O resultado desse exame deve ficar abaixo de 7% nos pacientes com comprometimento renal avançado. Deve-se considerar que valores muito baixos ou muito elevados de HbA1c estão associados a desfechos negativos em pacientes com doença renal da diabetes (DRD).  A restrição de proteína na dieta pode ajudar em alguns casos. O paciente e o nutricionista devem planejar a dieta juntos. 

Como a falência renal é tratada em pacientes diabéticos? 

A doença renal do diabetes é a principal causa de ingresso em terapia renal substitutiva e está associada ao aumento de morbidade e mortalidade. Em 2007, o Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI) propôs usar a expressão doença renal do diabetes no lugar de nefropatia diabética (ND) para ampliar o espectro das formas de doença renal no DM, acrescentando o fenótipo não albuminurico ao já descrito fenótipo albuminurico. 

Tem sido sugerido o uso do termo nefropatia diabética para o quadro específico de albuminuria elevada seguida da perda de função renal. Tradicionalmente, a DRD era considerada uma evolução sequencial de estágios em que o início seria caracterizado por hiperfiltração glomerular e por hipertrofia renal, seguidas por aumento progressivo na excreção urinária de albumina (EUA) entre 30 mg/dia e 300 mg/dia (anteriormente conhecida como microalbuminúria) e por EUA maior que 300 mg/dia ou macroalbuminuria. Nessa fase mais avançada, ocorre perda progressiva da taxa de filtração glomerular, culminando com a falência renal terminal. No entanto, nos últimos anos tem sido reconhecido que essa evolução nem sempre acontece, já que há pacientes que perdem filtração glomerular sem desenvolver albuminuria, fato associado a fatores múltiplos como hipertensão, dislipidemia, obesidade e idade.

A falência renal significa que os rins não são mais capazes de realizar suas funções de forma adequada, sendo necessário métodos alternativos como terapias dialíticas ou transplante. Sem tratamento adequado da diabetes, o tempo entre o início de uma insuficiência renal diabética e a falência renal em estágio avançado é de cinco a sete anos.

Três tipos de tratamento podem ser usados quando ocorre a falência renal: transplante de rins, hemodiálise ou diálise peritoneal. O tipo de tratamento para cada paciente será escolhido de acordo com o estado geral de saúde e a condição médica, o estilo de vida e a preferência do paciente. A taxa de sucesso de cada tipo de tratamento é muito importante nesse planejamento. Essas decisões não são definitivas. Vale lembrar que muitas pessoas podem usar todos esses tratamentos em momentos diferentes. Cada caso é único e o melhor tratamento e as dúvidas serão discutidas em conjunto com a equipe de assistência médica. Mas esse é o pior cenário e, caso você seja diabético, aposte na prevenção e dê uma atenção especial aos seus rins. Eles são muito importantes! 

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