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Racismo no atendimento médico

Equipe Cuida

Para pessoas de pele clara é difícil imaginar o que situações de racismo causam nas pessoas negras. Além de ser crime, a discriminação afeta vários aspectos da vida de quem enfrenta esse tipo de coisa. 

Estudos recentes indicam que o racismo contribui para adoecer e elevar as taxas de mortalidade entre esses indivíduos. A grande questão é: por que o sistema de saúde, que deveria estar cuidando das pessoas, é responsável por adoecê-las? 

Quando uma pessoa negra procura atendimento médico, tudo que ela espera é ter suas queixas ouvidas, sua doença tratada e receber um atendimento digno. Ela imagina que aquele será um espaço seguro, onde ela poderá ser acolhida. O ambiente de saúde deveria ser um refúgio para todos os pacientes, mas nem sempre é esse o caso. O racismo prevalece em um nível estrutural e interpessoal na sociedade, muitas vezes contribuindo para discrepâncias no tratamento de saúde entre indivíduos negros e brancos.

Antes de continuarmos, é importante explicar as formas de racismo e como elas se manifestam:

Racismo interpessoal é o comportamento discriminatório entre indivíduos, no qual alguns são tratados de maneira hostil, desrespeitosa e/ou excludente por causa de sua raça. Esse tipo de racismo geralmente é alimentado pela crença de que as pessoas de cor são inferiores e não merecem ser tratadas como as outras.

O racismo institucional ocorre quando instituições e organizações não prestam serviços adequados e profissionais a indivíduos por causa de sua raça, cultura, etnia ou cor da pele. Esses comportamentos discriminatórios podem se originar de estereótipos racistas, desrespeito e ignorância. As instituições que praticam o racismo sempre colocam essas pessoas em uma situação de desvantagem injusta quando tentam acessar os benefícios oferecidos pelo Estado e por outras organizações, que são seus por direito garantido pela Constituição de 1988. 

Dados recentes de pesquisas realizadas por diversas ONGs revelam que, quando o assunto é saúde, o tratamento dispensado às pessoas negras é preconceituoso e discriminatório.

O portal AzMina coletou mais de cem depoimentos de mulheres de todo o Brasil sobre suas experiências com atendimento médico. Mais de 80% das respostas foram de mulheres não brancas, sendo que quase 68% relataram ter sofrido racismo durante o tratamento médico. De acordo com o formulário, ginecologia (43 casos), clínica (40), dermatologia (19) e obstetrícia (10) foram as especialidades com o maior número de ocorrências.

Por falar em obstetrícia, um estudo da Fiocruz, intitulado “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, acompanhou mais de 23.000 mulheres para identificar as disparidades que ocorreram durante a gravidez e o parto com base na cor da pele das mães. O resultado indicou que as mulheres negras têm maior probabilidade de ter um pré-natal inadequado (67,9%), receber menos instruções sobre complicações no parto (41,4%) e receber menos anestesia durante o corte do períneo (10,7%). 

A descoberta de que a administração de anestesia é menos frequente nos grupos raciais/étnicos mais discriminados é particularmente preocupante e expõe o impacto da desigualdade de raça/cor. Um estudo realizado há dez anos em maternidades da cidade do Rio de Janeiro constatou que os procedimentos anestésicos eram menos disponíveis para mulheres negras e pardas durante o parto vaginal. Além disso, a disponibilidade era ainda menor para aquelas com menor escolaridade.

A pesquisa Nascer no Brasil mostrou que o direito de escolher um acompanhante na hora do parto, garantido pela Lei 11.10837, foi desrespeitado para 25% das mulheres,  pretas e pardas, que ficaram sozinhas durante todo o período de internação. Além da solidão durante a internação para o parto foram frequentes os relatos de maus-tratos pelos serviços de saúde, piores relacionamentos com os profissionais de saúde e menor satisfação com o atendimento prestado. 

Devido às dificuldades que algumas pessoas negras enfrentam para serem ouvidas, vistas e atendidas pelos médicos, é comum que elas decidam não ir às consultas ou abandonar o tratamento. Essa decisão pode impedir a detecção precoce de doenças que poderiam ser tratadas e curadas a tempo.

Em 2022, segundo dados do IBGE, 56% do total da população brasileira se considerava negra. Mas, nas salas de aula das faculdades de medicina, apenas 3% dos médicos no Brasil são negros. Essa falta de representatividade em sala de aula reflete no tato dos outros profissionais em lidar com a diversidade. Um estudo americano destaca que os pacientes negros obtêm melhores resultados e recebem melhor atendimento quando são tratados por médicos negros. O estudo também mostra que, quando as identidades do paciente e do médico são semelhantes, isso pode levar a uma melhor comunicação e a níveis mais altos de confiança. Além disso, a noção de que o médico é capaz de se relacionar com o paciente e entender os fatores externos que podem estar afetando sua saúde também é significativa. 

Educar os profissionais de saúde sobre a existência de preconceito racial na medicina pode ajudá-los a ver e tratar todos os pacientes como indivíduos multidimensionais, independentemente da cor da pele. Assim, quem sabe, o bonito juramento por eles prestado no dia da formatura não fique só nas palavras. 

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