Por Carol Sarmento
Talvez o que eu mais deseje, de coração, para mim e para as pessoas que trabalham cuidando de gente, seja coerência.
Sim, coerência. Do latim “cohaerentia“, que significa conexão, ligação, relação lógica e harmônica entre os argumentos. Pessoas coerentes alinham fala e ação.
Recentemente, vi uma pesquisa que mostrou que 83,6% dos médicos são sedentários. O dado mais alarmante e contraditório é que 98% reconhecem a importância da atividade física para o tratamento de seus pacientes (tem 2% que não acham que exercício importa, e eu nem sei o que pensar desses meus colegas, sabe?). Mesmo assim, 83,6% do universo pesquisado são considerados sedentários de acordo com parâmetros da OMS. Quase 84% dos médicos não fazem atividade física, e eu aposto meu rim direito que eles orientam que os pacientes façam. Falta coerência, no mínimo.
Não consigo confiar, indicar, ter como bom profissional de saúde um indivíduo que prescreva algo e não pratique. Que fale sobre saúde pelos alimentos e não busque se alimentar bem. Que oriente qualidade e quantidade mínimas de sono e não busque higiene do sono para si. Que fale em prol da atividade física e seja sedentário. Não dá, gente, não dá! E a gente precisa buscar essa coerência, tão certamente quanto levantar a bandeira de “quem prescreve, toma” no que tange à atividade física.
Recentemente, minha parceira, dupla do ambulatório, atendeu uma paciente que sempre sou eu quem assisto no retorno. Trata-se de uma mulher de meia idade, portadora de neoplasia metastática, que tem ótima performance, seguindo em quimioterapia paliativa. A minha colega me disse que ela tinha aderido à atividade física regular. Eu pipoco de felicidade com isso: ela vai lidar melhor com o tratamento, vai ter menos fadiga, vai ter aumento de qualidade de vida e melhores desfechos – mesmo diante de uma doença não passível de ser curada.
Mas repara: seria uma falácia se eu prescrevesse algo, fizesse propaganda, falasse sobre e não praticasse. Incoerente! E isso vale para atividade física, alimentação, uso desmedido de açúcar, abuso de álcool, tabagismo, uso de substâncias não aprovadas para fins estéticos, etc.
Este mês, tive a honra de ter minha mãe e minha avó por quase 10 dias na minha companhia. E fiz um propósito comigo: ia levar minha mãe para fazer atividade física sempre que possível, de maneira que a engajasse a sair da zona de perigo do sedentarismo. E foi gratificante de maneira inenarrável ver que os 20 minutos de caminhada com certo esforço no início deram lugar a quase 35 minutos sem sofrência e sem desconforto no final dos dias.
Não sou santa, não sou perfeita. Fato é que brigo comigo para manter a tal da coerência, muitas vezes. E quando trago essa conversa para a consciência e para elaboração, minhas escolhas acabam sendo pautadas pelo racional e são melhores. E, então, consigo ser uma pessoa de fala e ação. Coerente. Torço para que consigamos, todos nós, sermos mais coerentes na nossa prática. De coração.