Cuida

Se um dia alguém cuidar de mim…

Por Alessandro Kerkovsky

“Meu filho só tem 32 anos, rapaz vaidoso, doce, preocupado comigo, fez muito por mim, e eu preciso fazer algo por ele.” Essa foi uma das frases de uma mãe dilacerada com a possibilidade de perder o filho para uma doença ameaçadora da vida, incurável e que nesse momento depende de cuidados. 

Lidar com o sofrimento dos outros assim, em muitos momentos, dá vontade de fugir. E por que ficamos? Talvez quando entendemos o nosso propósito.

Todo mundo tem uma mãe e é filho. Isso nos nivela enquanto seres humanos.

Dona S., em uma hora e meia de conversa com a equipe, apresenta o filho, os sonhos, as dores e expectativas. E ali, com ela, vejo tantas mães, jovens ou não, que sofrem com a possibilidade de uma despedida tão precoce, a qual não somos educados a imaginar. Ele, um cara de nível superior, casado há 6 anos, com um filho de 6 meses, uma vida planejada, que foi atravessada por uma doença que não avisou que chegaria mudando tudo. São tantas dores além da física nessa conversa; a gente se percebe enquanto ser humano de forma tão frágil, tão exposto a tudo, que nos assusta. E quem somos nós cuidando disso tudo? Talvez seja o profissional da pressa, que sempre está correndo e não olha nos olhos. Ou talvez seja aquele que diz eu volto e não retorna. Posso também me reconhecer no que descredibiliza a dor relatada.

O profissional cansa, estressa, sofre por coisas além trabalho, mas exatamente o meu humano pode me desumanizar quando não sou capaz de enxergar no outro o sofrimento, o pedido do socorro no olhar e a impossibilidade de autogerir uma dor que não cabe numa vida inteira.

Eu sempre serei o Alessandro, filho da Dona Alair e do Seu Jorge, irmão do Josimar, tio e padrinho do Théo. Que é totalmente sensível à dor física. Sou aquele que gosta de privacidade, que ama comer e é apaixonado por samba. Estar com quem amo é extremamente importante e ter minha dignidade respeitada é primordial. Se um dia alguém cuidar de mim, quero que saiba disso, que enxergue o que piora minha dor e cuide dela. Não desejaria ser apresentado pela minha mãe numa reunião familiar, porque saberia o quanto ela estaria sofrendo, mas se for, permita-me SER EU, até o fim dos meus dias.

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