Por Carol Sarmento
Minha trajetória profissional já me levou várias vezes a estar perto de crianças em situações de sofrimento, tanto para familiares quanto para si mesmas. Desde cuidar de adultos em fase final de vida com filhos e netos ao redor, até mesmo assistir crianças que, indo de encontro à norma da vida, se despediam do mundo e do futuro, com sofrimento em si e seu entorno. Não é simples, não é fácil, e todos esses indivíduos citados necessitam de cuidado e atenção sem precedentes. Para isso, é necessário um time de profissionais capacitados e especialistas em aliviar tanto sofrimento que vem junto.
Nesses momentos, frequentemente, vêm perguntas tipo: “acha que é bom trazer nosso filho para se despedir aqui no hospital?”; “Você pensa que é boa escolha conversar sobre a morte da vovó com eles?”; “Levo ao velório?”; “Nosso bichano morreu, conto pra ela?”. E aqui um adendo: adoraria te dizer que isso tudo foi retirado do roteiro de algum filme de drama, certamente você já viu cenas parecidas, mas isso é parte do dia a dia de quem cuida de pessoas com doenças ameaçadoras à vida, tão mais no final das histórias. Minha resposta sempre vem nessa linha: a criança consegue dizer muito sobre o que ela deseja fazer e falar, depende de a gente acolher e dar suporte. Elas falam, elas escolhem, elas dão espaço para abordarmos com técnica, cuidado, compaixão e gentileza. Elas. Acredite.
Em situações assim, conversas que ofereçam espaço para escuta ativa da nossa parte e interesse genuíno em responder de maneira verossímil – e com cuidado – as questões trazidas, pode ser um bom ponto de partida. Se, ao invés, de agirmos tão impulsivamente em tentar blindar aquela criança das emoções, ausência e luto que virão e buscarmos ativamente proporcionar, conforme desejo demonstrado da criança, presença, conversas, despedidas, contato físico, participação nos ritos, escolheremos as melhores posturas para gerar saúde nas emoções que advêm em tempos de sofrimento. Mas repare: a criança fala, demonstra, manifesta. Ela diz, se perguntada for: “quero ir ver papai no hospital”; “quero ir ver a vovó”; “quero ir dizer tchau”.
E, assim, ao serem perguntadas e atendidas conforme suas vontades, elas são acolhidas e se tornam presença nesses ambientes, o que outrora evitaríamos a todo custo. E se minha experiência pode contar algo, é que esses momentos sempre são carregados de simbolismo, ternura, pureza e amor: coisas que só as crianças conseguem fazer e trazer para esses cenários. E, surpresa, o tanto que foi benéfico em médio e longo prazo proporcionar presença e dar suporte para os pequenos nesse momento, surpreendentemente quando agimos de maneira a reconhecer a capacidade que elas têm de processar e lidar com emoções, diferente do que nós adultos supomos, tantas vezes.
Cabe dizer também que agir de maneira contrária, à revelia do que seja demonstrado e verbalizado pela criança, é ser violento no mais completo sentido da palavra. E se tem algo que só reverbera com juros elevados e correção caríssima na nossa caderneta de emoções é quando experimentamos violências e rompimentos, não importa qual seja a faixa etária.
Crianças não precisam ser ludibriadas ou abstraídas nesses momentos, acredite. Elas precisam de acolhimento, presença e conexão com seus sentimentos. De validação das suas emoções. E de receber suporte para processar as perdas, dores e ausências que passarão, não sozinhas por suposto. Essa nossa estranha mania de gente grande de diminuir a capacidade que os pequenos têm pode até ser disfarçada de cuidado e zelo, mas não encontra fundamento nos estudos atuais e na construção de pessoas mais saudáveis emocionalmente.