Por Alyssa Miranda
Infelizmente, tem gente que normaliza o sofrimento de alguém doente, como se fosse necessário sofrer para estar doente. Pacientes em quimioterapia, por exemplo, procuram prontos-socorros por sintomas secundários ao tratamento — que são esperados ou frequentes para aquela condição. E ouvem: “Você está com câncer, é assim mesmo.”
Buscamos a cura tão intensamente que esquecemos de observar o básico. Normalizamos o sofrimento do outro em busca de entregar a quantidade total de ciclos de tratamento a qualquer custo. Queremos manter o paciente “vivo”, banalizando seus sintomas, sem perceber que nos afeiçoamos, dessa forma, à doença e não ao doente.
Como dizia Ana Michelle Soares, jornalista, escritora e paciente em cuidados paliativos por muitos anos: “Todos deveriam receber cuidados paliativos para terem suas dores muito bem gerenciadas.” Quando se trata do sofrer de uma pessoa, apenas a Medicina não é suficiente.
Todo médico lida com o sofrimento físico. O diagnóstico de câncer é por si só um sofrimento e, com ele, somam-se outras angústias. Mas o que é o sofrimento? Quando se pensa nesse sentimento, logo o associamos à dor.
Se há sofrimento, é porque dói em algum lugar, seja no joelho ou no coração. Seja em pensamentos — medo, insegurança —, seja em ações (vômito, falta de ar). É um sentimento subjetivo, ou melhor dizendo, depende de quem sente, de sua história, do contexto. Receber um diagnóstico de câncer traz muito sofrimento. Seja pelo medo do conhecido (sim, conhecido), pela insegurança em relação ao futuro, pelos sintomas secundários à própria doença e seu tratamento, que tem diversos efeitos colaterais.
Todos os dias fico diante do sofrimento físico e emocional. Lido com náusea, vômito, diarreia, constipação, depressão, tristeza, esperança. Entender que essa emoção é uma mistura de sentimentos (físicos, psíquicos, espirituais), que têm relação com o outro e com o meio externo, é fundamental para compreender a pessoa que sofre. Mas é importante perceber que aliviar essas dores não significa curá-las.
A pandemia de Covid trouxe para os “saudáveis” a descoberta de que todos somos mortais. A humanidade pôde experimentar o que os pacientes com câncer vivenciam todos os dias. Ter que usar máscara, evitar o contato com outras pessoas, vivenciar novos tipos de sofrimentos físicos e psíquicos. O medo de morrer fez com que entendêssemos a impermanência da vida. Fez com que vivêssemos o presente, sem planejar excessivamente o futuro. Estávamos saudáveis e, de repente, nos deparamos com a doença, que não escolhe idade, sexo ou condição financeira. Ela nos deixou vulneráveis. Fez com que a vida despertasse.
Por outro lado, sofrer nem sempre é uma experiência ruim. Nietzsche afirma que o sofrimento pode ser uma forma de potencializar nossa existência e ampliar nossas perspectivas de vida. A oncologia mostra todos os dias que é no sofrimento que as pessoas encontram sua essência, onde elas se vêem verdadeiramente, sem vendas. Como se elas encontrassem vida, força e coragem, e ressignificassem o próprio eu.
Muitas pessoas alteram suas perspectivas de vida após o diagnóstico de uma doença que causa intenso sofrimento durante seu percurso. Concordo com Nietzsche: ele teve razão ao ponderar que o sofrimento é uma superabundância de forças.