Por Eugênio Donadia
gentileza
/ê/
substantivo feminino
- 1.
ação nobre, distinta ou amável.
- 2.
qualidade ou caráter de gentil.
De acordo com a Oxford Languages, ser gentil é ser amável, é realizar ações nobres, altruístas e distintas. A título de curiosidade, entre todos os animais, somente os seres humanos, segundo a neurocientista Livia Ciacci, são capazes de expandir seus traços gentis e empáticos para além de seus ciclos familiares.
Ser gentil está ligado, inclusive, com a sobrevivência da nossa espécie, uma vez que a cooperação mútua entre indivíduos diminuiu a violência entre grupos, estreitou laços, formou alianças, otimizou trabalho e, até hoje, constrói meios de proteção. Quando vemos esses conflitos que acontecem mundo afora, vemos justamente o estrago que é feito quando essa qualidade tão humana é deixada de lado.
Aos poucos, à medida que fomos evoluindo, o nosso cérebro, esse órgão tão afim de prazer e bem-estar, se moldou e o estar com o outro de maneira afetuosa passou a gerar efeitos psicológicos e fisiológicos positivos na gente. Sabe a endorfina, ocitocina, dopamina e serotonina, essas substâncias que nos fazem sentir tão bem? Pois então, são produzidas e estimuladas no nosso cérebro quando tomamos verdadeiramente atitudes gentis.
Resumindo: ser gentil e empático faz bem para o coração e para a cabeça. Sua saúde mental agradece! Há-há!
Em um estudo recente, feito pela revista The Conversation, evidenciou-se que atitudes empáticas tendem a deixar aqueles que as praticam mais felizes. E olha só que curioso: a pesquisa ainda mostra que o bem-estar gerado pode ser ampliado se: 1) tais atitudes fogem da rotina e envolvem pessoas para além do seu convívio corriqueiro, 2) seja variável (a mesma ação todo santo dia pode cansar!) e 3) traga um feedback positivo (uma demonstração de afeto recíproco como forma de gratidão). The Conversation mostra também que em nenhuma dessas ações coisas de valor são essenciais, pelo contrário. Estar com o outro sem algo material mediando torna as relações mais humanas e as ações mais verdadeiras (aqui está a base para os diversos serviços de voluntariados).
No fim das contas, ser gentil pode ser fácil e rápido. Vai desde elogiar alguém, estar disponível para escutar, pedir desculpas, agradecer, olhar nos olhos, não julgar, não esperar algo em troca, fazer alguma ação para melhorar o dia de alguém inesperadamente (entre mil outras formas diárias de gentileza), ah… ser gentil consigo mesmo…
E está aí uma coisa que pode ser difícil de a gente fazer o download para a gente mesmo. Olha só:
Perguntei a alguns pacientes e seguidores no meu Instagram sobre gentileza e notei o quanto estamos com o dever de casa feito. As respostas fluíram… “atenção”, “empatia”, “dever”, “além da obrigação”, “nobreza”, “amor”, “generosidade”, entre outras, sendo “cuidado” a palavra mais citada nas respostas.
Mas quando a gente volta o espelho para refletir essa mesma gentileza em nós mesmos, algumas pessoas já apresentaram certa resistência. Primeiro que a resposta não foi dada de forma tão imediata, foi preciso uma certa reflexão. Muitas vezes a primeira devolutiva à pergunta era “nossa, que difícil” ou “que tapa!” ou ainda “aí você me pegou…”. E nem todo mundo que respondeu sobre gentileza conseguiu responder sobre gentileza a si mesmo.
Na pesquisa da The Conversation citada acima, observa-se também que atitudes gentis ao próximo promovem uma maior sensação de bem-estar quando comparadas às atitudes que beneficiam a si mesmo. Se por um lado é muito bacana se estimular e se ver, os dados dessa pesquisa me fizeram refletir: por que temos dificuldade em sentir validação e bem-estar quando olhamos para nossas necessidades, nos escutamos, nos cuidamos, nos presenteamos, somos pacientes e gentis conosco?
Estamos vivendo uma era onde o tempo genuíno para nós, esse tempo que nos coloca frente ao espelho da nossa própria vida, nos é tirado. Quantas horas trabalhamos? Quantas horas temos que nos dedicar aos filhos? Quantas horas ficamos perdidos em obrigações corriqueiras? Quantas horas do nosso dia/ano dedicamos pura e simplesmente a nós?
Absolutamente TODAS as respostas sobre a autogentileza, digamos assim, falaram sobre o tempo dedicado a si mesmo. Seja pela permissão de se viver um sonho, seja por estar em análise/terapia, seja para fazer algumas importantes atividades e/ou curtir o momento sem pressa, sem autocrítica e autocobranças exacerbadas, com equilíbrio naquilo que faz sentido.
Dá para ver que, assim como ser gentil com o outro, ser gentil conosco requer gasto de energia e envolvimento e desconstrução. Quantas pessoas não se sentem culpadas por se permitirem algo? Se taxam de egoístas por, em alguns momentos, dizerem um simples “não”? Ser gentil consigo mesmo é autocuidado. Olhar para o outro nos torna humanos, mas para estarmos vivos é preciso, primeiro, cuidar do que nos deixa em pé e do que alimenta nossa alma.
Ser gentil consigo mesmo é ter autocompaixão, é conhecer os próprios sentimentos, emoções e necessidades. É se perdoar, é se esforçar e se dedicar no que for preciso. É mandar catar coquinho, é tomar um vinho na terça-feira, é ter responsabilidade e bancar os próprios desejos.
Talvez, se eu pudesse fazer um adendo ao dicionário da Oxford, eu acrescentaria ao significado de gentileza a seguinte descrição:
gentileza
/ê/
substantivo feminino
- 1.
ação nobre, distinta ou amável.
- 2.
qualidade ou caráter de gentil.
- 3.
cuidar de si.