Por Marcos Vilaça
Nesse primeiro domingo de 2024, percebo-me refletindo sobre uma questão filosófica que perpassa todos os anos, séculos e milênios da humanidade. O que é o belo? O que significa beleza? O que me torna belo para mim mesmo e para o outro? Parece que desde O Banquete, de Platão (427-347 aC), o belo é uma meta a ser alcançada. Entretanto, os diálogos platônicos foram substituídos por um bombardeio de anúncios, novos produtos, pelas blogueiras do momento com promessas de uma beleza que cada dia mais nos aprisiona e, no fim das contas, nos impossibilita de encontrarmos a nossa relação singular com o que é belo, com os nossos corpos.
Em um tempo em que o imperativo “meu corpo, minhas regras” é tão presente, precisamos nos questionar: será que de fato estamos formulando essas regras? Que regras são essas que regem nossas escolhas na busca do tão desejado corpo padrão? O que é isso?
Ao buscar uma definição de beleza encontramos: qualidade, propriedade, caráter ou virtude do que é belo; manifestação característica do belo. Muito além de uma definição fechada e total, para pensar o conceito de belo precisamos levar em consideração o contexto histórico e social em que estamos inseridos. Somos sujeitos esculpidos pela linguagem! A forma como sentimos, percebemos e falamos sobre nossos corpos também muda com o tempo.
Em 2023, mais de dois milhões de brasileiros se submeteram a uma cirurgia plástica, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Para além de colocar os procedimentos estéticos no banco dos réus, é preciso problematizar as motivações que estão por detrás dos rostos quadrados e narizes afilados, tão cobiçados às vezes até por nós mesmos – afinal, também somos parte desse contexto.
O que nos leva a ficarmos insatisfeitos com nosso próprio corpo? Eis uma pergunta complexa, atravessada por questões sociais, culturais e individuais construídas ao longo da nossa história singular. Se não há uma resposta pronta e acabada, podemos tatear algumas pistas, quando entendemos que somos sujeitos de linguagem e do inconsciente e que muitas vezes não somos senhores em nossa própria casa, como dizia Freud. Então, a busca por um “padrão” pode denunciar fantasias inconscientes relacionadas a poder, uma vez que ser bonito poderia conquistar o que e quem quiser. Quem não quer ser desejado, não é mesmo?
Corpos assustadoramente belos nos assombram em nossos feeds a todo momento, trazendo-nos uma sensação de fracasso, de dívida. Parece que todos são perfeitos. Likes e reações se confundem com afetos, e os impactos na saúde física e psíquica são muitos.
Longe de esgotar o tema, chego ao entardecer deste domingo pensando em possíveis saídas para essa questão tão complexa. Uma delas talvez seja buscarmos nossas próprias ideias e fantasias sobre o que é belo e, ao mesmo tempo, a serviço de que e de quem estas estariam. Um processo de análise psicanalítica pode ser um bom aliado nessa caminhada.
Quem precisa de cirurgia plástica? A diva Beyonce nos responde: “beleza que dói, a perfeição é uma doença da nação. Você não pode consertar o que não pode ver, é a alma que precisa de cirurgia”. Obrigado Bey por nos lembrar que cuidado é algo muito além do que se pode ver e “consertar”.