Cuida

E se a gente parasse de querer tirar as pessoas do armário?

Por Carol Sarmento 

Reza a lenda que a expressão “sair do armário” vem da gíria do inglês “come out of the closet” que, por sua vez, veio lá dos séculos XIX e XX da expressão “come out”, utilizada na apresentação para a sociedade das debutantes casadoiras. 

Tudo bem se você lembrou das moçoilas de Bridgerton e Downton Abbey, tão britânicas, socialites e classudas. Pensou nos bailes de apresentação das minas, dos debuts e das temporadas de verão? Pode ser ainda que a sua correlação mental com o termo te remeta a uma prosa sempre difícil com algum amigo ou conhecido gay, um doloroso ritual de passagem vivido por amados da comunidade LGBTQIA+ ou ainda alguma história sobre uma saída forçada de um posicionamento velado, discreto ou oculto de outrem que tenha sido revelada ao mundo, contando para geral o segredo recôndito sobre a orientação sexual. 

Detalhe: se a tal “saída” é voluntária, pensada, uma iniciativa da pessoa em questão, tudo ótimo! Todo mundo tem (ou deveria ter!) o direito de se mostrar, de não se esconder, de não ter que viver versões duplas de si mesmo, e contar, caso queira, sua história e sua verdade. Não foram poucas as ocasiões que ouvimos, vimos, compartilhamos histórias e causos de violências e violações desse direito de “se apresentar” ao mundo, essa “saída do armário” – até então um lugar seguro para si e seus segredos?  

É violento, imoral e desrespeitoso contar segredos de terceiros, forjar situações em que as pessoas, donas das suas histórias de vida, se vejam obrigadas a publicar sobre coisas íntimas e pessoais, contar fatos e versões de si que não desejariam. E se isso é violento no que tange à sexualidade, por que não pensar do mesmo jeito no quesito saúde, doença, diagnósticos e CIDs? 

Peguemos como exemplo o recente caso de Kate Middleton. Não parei de pensar na princesa e no vídeo em que ela vem a público revelar seu diagnóstico e, humanamente, pedir espaço e privacidade para si, sua família e seu tratamento. Tudo isso depois de a internet toda parir milhares de teorias de conspiração malucas, memes, piadas, xoxos, zoeiras e alguns poucos questionamentos verossímeis, compassivos e empáticos ante o sumiço repentino da referida representante da realeza. O mais desrespeitoso – para não dizer asqueroso – foram as inúmeras tentativas de acessar e violar o sigilo médico em prontuários e registros institucionais da princesa. E você acha que parou por aí? Que nada! O mundo continuou a perguntar onde era, quando começou, como estava, estadiamento do tumor, histopatológico, descrição cirúrgica, esquema quimioterápico e marcadores tumorais de Kate. 

Toda vez que eu penso no famigerado vídeo, só me vem à cabeça que ela não queria estar ali, dando uma satisfação para o mundo e contando aos quatro ventos algo que ela tanto lutou para preservar em sigilo. Kate certamente se viu forçada a sair do armário. Sair não! Foi arrancada à força e contra sua vontade. Isso é óbvio e ululante. 

Cada vez que rimos, postamos, compartilhamos e brincamos com o caso – mesmo sem saber que se tratava de uma mulher, mãe de família internada, operada, tomando quimioterapia – a gente contribuiu para essa máquina infame de puxar gente para fora do armário. Depois que o fato se tornou público, ouvi de algumas pessoas próximas que se arrependeram de terem agido assim, por mais que Kate jamais saiba da existência dos reles mortais do lado de cá do Atlântico. 

Exercer gentileza, respeito à privacidade e à intimidade das pessoas pode ser um exercício grandioso para praticar no dia a dia. E acredito muito que essa reflexão passa por particularidades humanas daquilo que nos faz ser gente: no que diz respeito à preferência sexual, opiniões sobre religião e política, saúde e diagnósticos, e tantas outras coisas. 

Ninguém precisa ser um livro aberto e falar tudo sobre sua vida se não desejar sê-lo, e ninguém tem direito de abrir este nosso livro pessoal para discorrer sobre nossos mistérios sem autorização. Não sejamos essas pessoas.