Cuida

O que buscamos na medicina?

Por Ana Carolina D’Ettorres

Hoje, nos minutos que tive de folga entre um paciente e outro, entrei na minha rede social, que por natureza do meu convívio é repleta de conexões com outros médicos e profissionais de saúde, e me dei conta que mesmo conhecendo e apreciando as pessoas em questão, eu não conseguia dedicar mais que alguns segundos vendo as postagens. Não me entendam mal, eram postagens bonitas, bem produzidas, vídeos bem iluminados, pessoas super arrumadas, fotos seguindo uma paleta de cores sofisticadas, trazendo boas informações e ricas em conteúdo. Mesmo assim, não prendiam minha atenção e eu seguia na rolagem infinita de tela.

Por estar no consultório, enquanto aguardava um paciente atrasado, comecei a me questionar: Será que é isso que eu deveria estar fazendo para conseguir ter sucesso? Bom, é o que dizem! Existem até mesmo cursos sendo vendidos nesta plataforma que afirmam que, seguindo o método X ou Y, você irá atingir mais pessoas e conseguir o tão sonhado sucesso. Mas, afinal, o que é esse tal sucesso? E se existe uma forma certa e infalível de captar “clientes” e conseguir se consolidar como referência na sua área de atuação, por que eu não me sinto tentada a parar e ver o que essas pessoas estão postando? 

A bem da verdade, esse estilo não combina comigo, não somente no aspecto  pessoal, mas também no profissional. Quando entro na minha rede social, vejo um feed um pouco caótico, sem padrões (totalmente compatível com minha personalidade) e uma foto em que estou sentada no sofá com duas grandes amigas sentadas, vivendo um momento feliz, sem produção, sem nenhuma mensagem motivacional, apenas mostrando ao mundo a felicidade de conexões verdadeiras entre pessoas reais. 

Foi neste ponto que percebi o motivo de não parar de rolar a tela nem dedicar mais que alguns segundos ao meu feed: nunca senti que aquelas postagens eram reais. As fotos e os textos não tinham nada a ver com as pessoas que conheço. Tudo parecia artificial. Assim como também me parece artificial a ideia de vender protocolos de tratamentos, curas milagrosas por meio de ampolas de vitaminas caras, as receitas para uma vida saudável ilusória, cheia de filtros e efeitos, e incompatível com a realidade da maior parte da população brasileira. Não, não é fácil para uma mãe solteira que sustenta uma casa, mora na periferia e gasta horas dentro de uma condução para o trabalho, praticar uma atividade física todos os dias ou fazer refeições sem nenhum tipo de ultraprocessado, só com produtos orgânicos. Nada disso depende do desejo dela e não a torna uma pessoa menos motivada em procurar uma vida saudável, é apenas a vida que ela consegue levar.

Também percebi que esse molde não é a medicina que pratico. Eu cuido de pessoas, eu acolho sofrimentos, eu proponho tratamentos possíveis dentro da realidade de cada paciente, eu converso com as pessoas. É muito gratificante sair do meu consultório depois de descobrir que o paciente faz aniversário no mesmo dia que a Xuxa (que é exatamente um dia antes do meu!), aprender a cuidar de plantas e como é o processo de edição de filmes do meu paciente que é produtor cultural, ouvir do paciente o relato de como foi emocionante assistir ao show da Madonna e conversar sobre qual o melhor café da região. Eu ofereço aos meus pacientes cuidados possíveis e eles me retribuem com a vida real. E a melhor sensação de todas é, ao final de cada consulta, escutar: “é tão bom encontrar uma médica como você, que escuta”. Meus pacientes voltam por anos, mesmo quando não tem mais nada de infeccioso para tratar. Voltam apenas porque confiam em mim e sabem que serão escutados. Não acho que faço nada especial em escutar as pessoas, essa é apenas a forma como eu vivo.

A conclusão a que cheguei é que talvez eu não consiga atingir o tão almejado sucesso nas redes sociais. Não vou me colocar no molde pré-fabricado e projetado para parecer uma pessoa e uma profissional muito distante do que sou. Não vou estar impecável todos os dias. Não vou trazer soluções fáceis e mirabolantes com dicas impraticáveis para as pessoas. Vou seguir sendo uma pessoa real, que preza pelo cuidado de pessoas reais. E vou torcer muito para que a minha prática médica não seja soterrada pela medicina de redes sociais.

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