Cuida

O que é voluntariado pra mim

Por Mayra Galvão

A primeira coisa que faço quando alguém me pergunta por que decidi ser voluntária, é contar o que me fez chegar onde estou. Faço esse trabalho há muito tempo, bem antes da Comunidade Compassiva. Na faculdade de enfermagem, fui voluntária no projeto Rondon, em uma operação chamada “Capim Dourado”, na cidade de Pedro Afonso, no Bico do Papagaio, lá no Tocantins.

Depois disso, fui voluntária num projeto chamado “Força na Peruca”, da Fundação Laço Rosa, que capacitava pessoas a confeccionar perucas para mulheres com câncer de mama. Foi uma imersão muito legal e eu, que nunca tinha costurado na vida, fiz 6 perucas! Em 2020, aceitei o convite da Drª Simone Cotrim para fazer parte do time da Favela Compassiva e acabei ficando. Isso faz quatro anos! 

Para mim, o que faz o voluntariado tão legal é a possibilidade de ser útil para a comunidade. Desde que comecei neste trabalho, em 99% das visitas domiciliares, fui muito bem recebida pelas famílias. É preciso lembrar que essas pessoas vivem em uma área de extrema vulnerabilidade social e abandono, muitas vezes, pelo poder público. A maioria dos pacientes está em cuidados paliativos exclusivos e não são mais acompanhados pela rede de saúde. Alguns fizeram quimio, radio e já receberam todas as medidas intervencionistas, quer sejam cirúrgicas ou de acompanhamento por especialistas. Esses pacientes ficam no “limbo”, sem um acompanhamento adequado, devido à superlotação e ao difícil acesso à residência. 

Além da dificuldade de chegar ao local, existe também o rodízio de profissionais, principalmente profissionais médicos na atenção primária e, muitas vezes, o médico que faz uma visita domiciliar não conhece a história do paciente e nem consegue fazer o acompanhamento por causa do rodízio ou porque ele já não está mais naquela unidade. Resultado, não existe um follow-up e tanto o médico quanto o paciente ficam à deriva, sem saber se aquela medicação é realmente eficiente, se o controle álgico está sendo feito ou se a pessoa está esclarecida sobre a intensidade da doença. Em muitos casos, a família, envolvida nesse sofrimento, acaba recebendo um enfermo e tendo que fazer todo o cuidado.

É nessa hora que começa o trabalho da Comunidade Compassiva, que faz a capacitação desses cuidadores, desses familiares, desde o cuidado mais simples, como a troca de fralda, até a higienizar de uma gastrostomia (GTT) ou  uma traqueostomia. A Favela Compassiva dá um suporte a esses pacientes, muitas vezes desenganados,  descobertos pela rede de atenção à saúde. Mas é importante lembrar que o projeto vem para complementar e não para substituir a rede de atenção à saúde. No caso da Rocinha, por exemplo, que é uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, seria impossível atender a todos os moradores. 

Também buscamos o apoio de outros programas, como o PAD (Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso), que faz o acompanhamento de pacientes com esse perfil. Como, muitas vezes, não conseguimos atender pacientes dentro do nosso projeto, ajudamos a colocá-los como elegíveis para acompanhamento do PAD e assim dar dignidade a essas pessoas que estão, muitas vezes, nas últimas semanas ou meses de vida.

 Ser voluntária nesse contexto de vulnerabilidade e de “abandono” por falta de suporte do Sistema Único de Saúde, me faz sentir útil. Além disso, procuro, durante o acompanhamento,  criar vínculos com o paciente e, principalmente, com a família. 

Outra vantagem do voluntariado é que ele reúne pessoas com o mesmo perfil, que visam mais o bem-estar das pessoas que o ganho material. Conviver com pessoas que têm esse perfil de entrega, essa vontade de fazer a diferença dentro de uma comunidade é muito enriquecedor. No final,  criamos  uma rede de ajuda, de profissionais com um perfil, um estilo de vida, uma maneira de enxergar o propósito de vida e de trabalho. Sem contar que é muito bom estar entre colegas que são muito excelentes no que fazem. Então, acaba sendo um momento de ver outras maneiras de cuidado de uma equipe multidisciplinar e aprender e, até incorporar no seu ambiente de trabalho.

Na Favela Compassiva as visitas domiciliares sempre são feitas por um médico, um enfermeiro e outros profissionais da equipe múlti, como assistente social, psicólogo, capelão e terapeuta de dignidade, assim é possível ver a abordagem de cada um frente àquele paciente.

Sou médica plantonista em outro hospital e lá tenho contato com o trabalho de outros colegas, com novas maneiras de cuidar, o que é muito útil, pois ao ver como esses profissionais trabalham, posso levar esse ensinamento para o meu trabalho do dia a dia. 

Outro fator que me levou a fazer o trabalho voluntário foi a possibilidade de conhecer novos cenários e poder ser um ser político social pensante com senso crítico baseado na realidade. Afinal, entendendo que saúde pública é um direito de todos e um dever do Estado, eu consigo defender e entender mais a importância de lutar pelo SUS, uma vez que a maior parte da população brasileira precisa dele.

Por fim, o motivo mais importante é a sensação de fazer parte de um projeto, uma corrente do bem, que me dá a certeza de estar construindo algo com pessoas que têm o mesmo perfil que o meu e, juntos, estamos fazendo a diferença na vida de tantas pessoas. Este é meu ikigai, meu propósito e minha razão de viver. Essa foi uma das muitas coisas que aprendi com Alexandre Silva, o idealizador do projeto Favela Compassiva. Além de um excelente líder, que coordena com maestria uma equipe de mais de 40 profissionais, ele nos inspira a dar nosso melhor e devolver à sociedade todo o conhecimento que recebemos. 

Hoje, o voluntariado me encontra num momento, talvez até de espiritualidade, de alimentar o meu espírito e de entender que eu estou fazendo a diferença na vida e no cuidado de um grupo de pessoas e de uma comunidade.

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