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A revolução terapêutica de Lygia Clark

Por Luiza Testa

Atualmente com uma grande retrospectiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Lygia Clark redefiniu os limites entre arte e terapia, mostrando que a experiência estética pode ser uma poderosa ferramenta de cura. 

Lygia Clark com seus “Óculos”, em 1968. Imagem: Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”

Nascida em 1920 em Belo Horizonte, Lygia Clark é reconhecida como uma das mais influentes artistas brasileiras do século XX. Clark começou sua carreira no campo das artes visuais, mas se moveu rumo a uma prática terapêutica inovadora, integrando aspectos sensoriais, emocionais e psíquicos. Esta mudança faz dela uma figura importante não apenas no mundo das artes, mas também no campo da saúde, especialmente para médicos, paliativistas e psicólogos que buscam novas formas de promover o bem-estar integral de seus pacientes.

Lygia iniciou sua carreira artística nos anos 1950, vinculada ao movimento neoconcreto, que estimulava a participação ativa do espectador e a interação com a obra de arte. Rapidamente, destacou-se com suas “Superfícies Moduladas” e “Planos em Superfície Modulada“, onde já explorava a tridimensionalidade instigando a participação do público. Sua obra mais famosa deste gênero – e, possivelmente, da carreira – é a série “Bichos”, esculturas articuladas de alumínio projetadas para serem manipuladas pelo espectador, desafiando sua tradicional passividade e suscitando uma experiência estética mais profunda.

“Bichos”, de Lygia Clark na Pinacoteca.

Durante os anos 1960 e 1970, Clark começou a explorar a relação entre arte e terapia de forma mais explícita. Estudou psicanálise e começou a considerar o potencial terapêutico da arte. Assim, abandonou progressivamente a produção de objetos artísticos e passou a focar em proposições que envolviam o corpo e os sentidos, como a “Estruturação do Self“, onde o indivíduo podia integrar partes de si mesmo que estavam fragmentadas ou dissociadas.

“Objetos Relacionais”, de Lygia Clark, na Pinacoteca.

Neste método, são centrais os “Objetos Relacionais”, itens cotidianos como sacos plásticos, pedras, conchas e elásticos que, quando manipulados pelos participantes, despertam memórias e sensações profundas, facilitando a reconexão com aspectos esquecidos ou reprimidos da psique. Cada objeto tem uma função específica e evoca diferentes sensações e reações dos participantes. “Caminhando“, por exemplo, é uma obra que consiste em uma fita que o participante corta, criando um caminho infinito. Esta atividade simples, mas profundamente simbólica, remete à ideia de um percurso sem fim, refletindo sobre a própria jornada de autoconhecimento e transformação.

Caminhando, de Lygia Clark, 1963

Em outra obra, “Baba Antropofágica“, participantes enfiam na boca um emaranhado de fios que vão puxando e colocando sobre o corpo de um outro, que recebe a “baba”. Clark acreditava que a manipulação desses objetos poderia catalisar processos internos de cura, pois ao engajar-se fisicamente com os objetos, os participantes eram levados a uma maior consciência de suas sensações corporais e emocionais, facilitando a emergência de memórias e sentimentos reprimidos. 

Imagem de uma execução de “Baba Antropofágica”

Clark não foi a única a justapor arte e saúde mental: na tradição da arte contemporânea, vários artistas exploraram esta intersecção, como Joseph Beuys e Yoko Ono. Hélio Oiticica foi uma inspiração significativa, compartilhando a visão de uma arte participativa e sensorial, enquanto o psicanalista Wilhelm Reich influenciou sua compreensão da relação entre emoções e o corpo. Entretanto, a contribuição de Lygia Clark para o campo da saúde é inestimável. Sua abordagem inovadora inspirou terapeutas a incorporar elementos sensoriais e artísticos em suas práticas e a artista mostrou que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de cura, capaz de promover a reconexão com aspectos profundos da identidade e facilitar a transformação pessoal. 

Embora hoje seja amplamente reconhecida, ela enfrentou significativa resistência e incompreensão durante sua vida, especialmente nos círculos tradicionais da arte. Sua transição da criação de objetos artísticos para práticas terapêuticas foi vista com grande ceticismo por críticos e colegas artistas. Felizmente, a artista se manteve firme em seu compromisso com a inovação e a exploração da arte como um meio de cura. Ao explorar a interseção entre arte, sensorialidade e psique, Clark nos legou um caminho inovador e transformador para a cura e o autoconhecimento.

A exposição “Lygia Clark: Projeto para um Planeta” está em cartaz na Pinacoteca de São Paulo até 4 de agosto de 2024. Com curadoria de Ana Maria Maia e Pollyana Quintella, a mostra apresenta mais de 150 obras que abrangem diversas fases da carreira de Clark, inclusive “Objetos Relacionais”, que podem ser manipulados pelos visitantes, e algumas de suas obras mais importantes, proporcionando uma visão abrangente da evolução artística de Clark e sua conexão com a cura e a terapia. 

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