Cuida

O cuidado espiritual na assistência dos pacientes

Por Mariana Soares

A espiritualidade faz parte dos cuidados dos pacientes. É um aspecto super importante que compõe os indivíduos e que quando não cuidado gera muita angústia.

Mas, para começarmos, o que seria espiritualidade?

Espiritualidade é um conceito amplo e muitas vezes pessoal, que se refere à busca de um sentido mais profundo ou conexão com algo maior do que nós mesmos. Pode estar associado a propósito, valores, e a sensação de pertencer a um universo maior. Para algumas pessoas, espiritualidade pode ser expressa através de práticas religiosas, enquanto para outras, pode se manifestar por meio de meditação, mindfulness, conexão com a natureza ou mesmo na busca por autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Portanto, espiritualidade não é expressada apenas no aspecto religioso, mas de várias maneiras e é importante estarmos abertos às diversas formas de expressão. 

Já faz algum tempo que desvinculei a ideia de espiritualidade de religião. No meu dia a dia vejo a espiritualidade como algo que nos faz estarmos todos conectados e que nos fornece subsídio para enfrentarmos os desafios.

Quando vou conhecer um paciente, sempre pergunto se ele faz parte de algum credo ou se tem algo que o faz se sentir conectado com algo maior ou que traz mecanismos para que ele possa enfrentar aquele momento. Na maior parte das vezes, esse lugar de subsídio vem da religião, mas já tive pacientes que gostavam de astrologia, ou que acreditavam apenas na ciência e também aquele que dizia acreditar apenas em si próprio. O importante é validar e procurar saber se esse campo da vida está precisando de uma atenção a mais. Durante uma internação ou um tratamento prolongado é comum os profissionais de saúde não olharem nem darem importância para essa questão.

Quando estamos cuidando de alguém, há sempre uma troca, e eu costumo levar algumas soluções para os problemas que eles estão enfrentando e, em troca, eles entregam algum conhecimento do qual eu estou precisando. Eu acredito que a espiritualidade me coloca em contato com eles para que eu também possa aprender algo e trazer esse novo conhecimento para o meu dia a dia.

Algumas vivências me marcaram de maneiras diferentes. Uma paciente Testemunha de Jeová que não sabia ler e pediu para que lêssemos a mensagem do dia para ela quando fossemos vê-la. Sempre que eu lia o texto e a ouvia refletir sobre ele, sentia como se algo estivesse conversando comigo e saia dali refletindo também e muitas vezes acolhida sobre o que estava se passando internamente comigo naquele momento. 

Outra paciente fez um pedido diferente: queria muito, se pudesse, voltar para casa, no interior do Piauí, pois precisava cuidar de suas plantas e de seus animais. Passou 1 mês lá e quando voltou, a filha contou que ela não precisou fazer uso de nenhuma medicação para dor e usou apenas do que tinha em casa (ervas) e assim conseguiu comer super bem. Quando perguntei à paciente o que tinha de diferente lá que a fez se sentir tão bem, ela me disse que foi a conexão que sentia com sua terra. 

Uma paciente jovem, na casa dos 20 anos, internada com uma complicação irreversível da sua doença, contou durante uma conversa que por muito tempo se questionava sobre os motivos de estar passando por tudo aquilo. Fiquei em silêncio, porque não sabia responder. Ela me olhou e disse: “Agora eu entendo meu propósito aqui na Terra, doutora. Eu vim pra ensinar alguma coisa a vocês (equipe de saúde). Não sei dizer o que, porque isso é individual de cada um, e para minha família eu vim ensinar união. Fiz eles se aproximarem mais uns dos outros e mostrar que tudo aqui é passageiro.” É verdade, ela me ensinou muitas coisas no período que esteve conosco, especialmente a coragem de reconhecer que estava se despedindo, a resiliência enquanto estava tratando e a sabedoria para discernir o que era importante para ela naqueles últimos dias. 

Sendo um campo tão diverso e amplo, pra mim entrar em contato com a espiritualidade do próximo me traz reflexões importantes. Reflexão sobre mim mesma e como estou encarando as adversidades na minha vida. É, na verdade, uma grande forma de auto-conhecimento; serve também para o crescimento pessoal, pois é fonte de inspiração para novos insights e perspectivas que integro na minha vida. Além de ampliar a maneira como enxergo o mundo.

, ,