Por Alessandro Kerkovsky
Certo dia, uma colega psicóloga solicitou minha avaliação de um paciente e de sua esposa, ambos internados há alguns dias. Me apresentei e perguntei se poderíamos conversar. A esposa sorriu desconcertada e disse que sim, já que o esposo estava sonolento e talvez não conseguisse interagir bem.
Sentei numa escadinha próxima ao leito e perguntei:
–Como está a vida? Me conta!
Ela respondeu: – Tá difícil, doutor, mas Deus nos sustenta.
Ela, que olhava a todos que usavam o jaleco branco como autoridade, naquele momento abriu seu coração como se fosse uma janela de sofrimento que nem eu estava preparado para ouvir.
Eles eram pessoas extremamente simples, morando em uma casa de chão de terra batida, vivendo com ajuda de terceiros e com uma renda mínima vinda dos subsídios de programas sociais. Ela, que usava máscara cirúrgica, tirou por alguns minutos e partilhou a dor de não ser bonita, devido a nódulos que surgiram desde a infância deformando seu rosto. Emocionou-se ao falar que, por muitas vezes, não era ouvida por ser pobre, pela aparência e por não saber se expressar. E sorriu envergonhada ao falar do sonho de se casar na Igreja com as “bençãos de Deus”. Ela pegou na mão do esposo e num carinho tímido olhou para cima e concluiu: – Mas Deus cuida da gente, né, meu velho?
Eles não tinham planos, nem perspectiva de melhora. Não tinham comida em casa, caso tivessem alta, e mesmo assim, mantinham o otimismo e a esperança de que tudo ficaria bem.
Cada um de nós tem seu sagrado, e nele deposita aquilo que humanamente achamos impossível ou que nos falta forças ou condições para conquistar. O sofrimento social era tão intenso e com tantas camadas que apenas o sagrado no qual aqueles dois colocavam toda a sua fé era capaz de consolá-los mediante as dificuldades que a vida lhes havia imposto.
Não existe regra, seja em maior ou menor proporção, todo mundo sofre e todo mundo suplica ao que acredita para que surjam soluções para seus problemas, já que sozinhos não somos capazes de lidar com aquilo que não podemos mudar. Muitas vezes, o olhar dessas pessoas não tem cor, é como a correnteza de um rio que inunda todo seu ser, já que é impossível alguém falar de suas dores, do que lhe falta, sem emoção, lágrimas e profundidade.
O sofrimento social majoritariamente será amparado pelo acolhimento espiritual, independente da religião que professamos. A crença no sagrado pode mudar o olhar sobre a realidade trazendo esperança, ou mesmo, quando essa realidade não se altera mediante a oração, se torna força, já que o acreditamos conhece intimamente as nossas necessidades.
Sempre que identificar alguém em sofrimento social profundo, certifique-se que algo pode ser feito. Valide a fé que sustenta esse ser, pois ela é a esperança necessária para fazer a roda da vida girar. O maior sagrado que une todos sem exceção, é o amor. Acredite nele, pois a fé e a esperança estão presentes todos os dias na vida.
E para quem ficou curioso para saber o final da história do casal, fico imensamente feliz em dizer que eles voltaram para casa com comida, medicamentos e dignidade. Mas antes de receberem alta, fizemos uma cerimônia religiosa simbólica abençoando aquela união. Aquelas pessoas que eram invisíveis pelos critérios sociais de importância, por alguns momentos esqueceram suas dores e sorriam – sem máscara – onde se sentiam acolhidos: na fé!