Por Paula Azevedo
Hoje é o dia mundial e nacional da diabetes. Não parece estranho existir um dia no ano específico para alguma doença? A impressão é que é um dia de celebração, não é? Entretanto, o cenário real é bem diferente! Hoje é dia de conscientização a respeito dessa condição que é crônica e que pode ser devastadora, inclusive para nosso cérebro. Pessoas diabéticas apresentam risco elevado de desenvolverem acidente vascular cerebral (AVC), declínio cognitivo e neuropatia periférica. Quando enumerados de forma mais geral, 3 complicações neurológicas da diabetes nem parecem ser muita coisa, né? Mas, pode acreditar, é! Por isso, vamos conversar mais um pouquinho e detalhar esse mundo neurológico que circunda a diabetes.
Falemos primeiramente sobre o risco de AVC. A diabetes aumenta o risco tanto do AVC isquêmico quanto do hemorrágico e, também, do ataque isquêmico transitório (ameaça de AVC), ao causar o adoecimento de pequenos e grandes vasos, ou seja, afeta a irrigação sanguínea cerebral das artérias que levam sangue ao cérebro. Esse adoecimento das artérias como um todo é causado pelo processo inflamatório induzido pela diabetes. Isto é, elas perdem a capacidade de bombear adequadamente o sangue até o cérebro ou qualquer tecido do corpo e se tornam mais propensas à formação de trombos (coágulos que interrompem o fluxo sanguíneo) e a ruptura . Os primeiros levam à isquemia, e a segunda leva à hemorragia. O AVC é a principal causa de morte e de incapacidade na região sudeste do Brasil, é a principal causa de incapacidade nos EUA e em várias partes do mundo.
Em relação à nossa saúde cognitiva, esse mesmo processo inflamatório originado pela diabetes acelera a morte dos neurônios, que são as células do cérebro, interrompendo as conexões entre eles, as chamadas sinapses cerebrais, dificultando toda a informação e comandos cerebrais de transitarem livremente. Em texto pregresso no nosso blog, falamos um pouco sobre demências e do quão incapacitante é tornar-se alheio à própria existência. A diabetes é um fator de risco muito importante para a demência vascular e pode piorar a evolução de outros tipos de demência também.
Além do nosso cérebro e de suas artérias, a diabetes também tem um impacto enorme na saúde do que chamamos de sistema nervoso periférico, ou seja, dos nervos que estão distribuídos pela superfície corporal para levarem as informações de todas as formas de sensibilidade para serem interpretadas lá no nosso cérebro e que disparam os comandos motores para nossos músculos executarem as ações que nos possibilitam andar, segurar objetos, falar, escrever, desenhar, correr… E como a diabetes afeta o sistema nervoso periférico? O mecanismo é semelhante ao do sistema nervoso central. Nossos nervos têm artérias de calibre muito pequeno que levam o sangue até eles para nutrição, para mantê-los saudáveis. Como a diabetes danifica nossas artérias de qualquer tamanho, imagina o que pode acontecer com essas que nutrem nossos nervos, que são muito, muito finas? Pois é, o resultado é a causa mais comum de neuropatia (doença do nervo periférico) do mundo, a neuropatia diabética.
Essa condição pode comprometer tanto as fibras sensitivas quanto as motoras de nossos nervos, levando a uma perda da sensibilidade e da força muscular, pois são os nervos que estimulam nossos músculos a contraírem. Pode acometer alguns nervos separadamente, mas sua forma mais comum é a chamada polineuropatia diabética que é aquela em que nossos nervos dos membros inferiores e dos superiores serão acometidos todos juntos de forma progressiva. Isso será mais rápido e agressivo quanto mais tempo de diabetes eu tiver e quanto pior for o meu controle glicêmico. De toda forma, mesmo sob bom controle da doença, mais de 50% dos pacientes diabéticos terão neuropatia em algum momento no curso de sua doença. Os sintomas da neuropatia diabética são muito incapacitantes e incluem formigamentos, dormência e dor em queimação e/ou em agulhada que se inicia nos pés e sobe de nível ao longo das pernas e também nas mãos em direção aos braços. O paciente tem essa dor desencadeada por estímulos que não causariam dor inicialmente, como o toque do lençol ao cobrir os pés durante a noite. Com a redução e posterior perda completa da sensibilidade, aumenta-se o risco de queimaduras ou de traumas não perceptíveis em nossos pés, resultando em feridas que são muito difíceis de tratar, por isso o risco aumentado de evoluir para amputações de dedos ou membros.
Outro ponto importante é que todas essas complicações neurológicas relacionadas à diabetes podem ocorrer simultaneamente no paciente. Uma mesma pessoa diabética pode sofrer tanto um AVC quanto perder função cognitiva e ter neuropatia periférica, e não é incomum a associação desses cenários. Desolador, não?!
E agora, já entendendo um pouco as possíveis repercussões diabéticas no sistema nervoso central e no periférico, que tipo de prevenção devemos ter para não fazer parte desse grupo? Primeiramente, é necessário manter um estilo de vida saudável para evitar ao máximo o desenvolvimento da diabetes, que é uma doença com muitos gatilhos ambientais, isto é, muito suscetível a maus hábitos de vida. Se houver chance aumentada de desenvolvimento da diabetes do tipo 1, que tem muita influência genética, os bons hábitos de vida também têm um peso favorável no controle mais rápido e eficaz da sua doença.
O que consideramos bons hábitos de vida nesse cenário de ocorrência e/ou prevenção de complicações da diabetes? É o mesmo conjunto que previne ou alivia várias outras doenças: atividade física regular (4 vezes por semana durante 40-60 minutos), alimentação balanceada, evitando excessos de gorduras, frituras e carboidratos, optando por proteínas preparadas de forma mais saudável, incluindo porções de vegetais e frutas em todas as refeições, cuidando de nossa saúde mental e da regulação dos níveis de estresse, manter bons hábitos cognitivos de forma a enriquecer as conexões cerebrais.
Se você já é diabético, procure um especialista que estabeleça com você uma boa relação médico-paciente, pois, por se tratar de doença crônica, esse vínculo será a base para a aderência ao tratamento e para atingir o mais importante, além do tratamento medicamentoso, que é a mudança de estilo de vida, tão preciosa para o controle da diabetes.