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HIV na terceira idade

Por Equipe Cuida

A sexualidade é uma necessidade humana fundamental que deve ser plenamente vivenciada em todas as fases da vida. A satisfação obtida com a atividade sexual não diminui com a idade. A sociedade ainda se esforça para entender e aceitar totalmente que uma pessoa, apesar de estar na sexta ou sétima década da vida, pode ter uma vida sexual ativa. Infelizmente, o preconceito e a desinformação continuam a reforçar o estereótipo da assexualidade na velhice. Entretanto, o número crescente de idosos infectados pelo HIV destaca a importância de abordar essa questão.

As políticas públicas recomendam que os idosos procurem a atenção primária quando necessitarem de atendimento médico. O problema é que os profissionais de saúde, que deveriam ser treinados para tratar situações delicadas de maneira empática, geralmente deixam de abordar questões relacionadas à vida sexual de pacientes idosos. Como resultado, médicos e enfermeiros não dialogam nem perguntam sobre a saúde sexual; somente após o diagnóstico de HIV/AIDS é que surgem perguntas sobre o assunto. 

Como resultado, os testes sorológicos para HIV  não são normalmente solicitados na atenção primária à saúde para pacientes idosos. Isso só acontece após extensa investigação e com a exclusão de outras doenças, o que atrasa o diagnóstico e o tratamento em meses. As únicas exceções são para idosos viúvos, com múltiplos parceiros sexuais ou usuários de drogas. De modo geral, o foco do cuidado de pacientes acima dos 60 anos é para doenças crônicas e/ou degenerativas, sem levar em consideração a sua sexualidade, apesar dos principais fatores de risco para os idosos serem os mesmos de outras faixas etárias, incluindo sexo sem proteção, múltiplos parceiros,  IST e uso de drogas injetáveis. 

O diagnóstico da infecção pelo HIV em pacientes idosos geralmente é atrasado devido à semelhança dos sintomas com outras doenças mais prevalentes nessa faixa etária. É importante observar que a falta de especificidade dos sintomas pode complicar ainda mais o processo de um diagnóstico diferencial. As pessoas com mais de 50 anos têm maior probabilidade de receber um diagnóstico tardio do HIV, quando comparadas com indivíduos mais jovens, o que pode resultar em uma progressão mais rápida da doença e em um risco maior de complicações. Em muitos casos, apenas após o início dos sinais e sintomas da AIDS, durante hospitalização ou atendidos no departamento de emergência, é que se inicia o tratamento adequado. Começar o tratamento precocemente promove melhorias durante o curso da infecção. 

O recém-lançado Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS do Ministério da Saúde, que compila todos os dados sobre a epidemia no país, mostra números alarmantes: na última década, o número de pessoas com 60 anos ou mais que testaram positivo para o HIV aumentou mais de quatro vezes.

“A maior concentração dos casos de AIDS no Brasil, no período de 1980 a junho de 2023, foi observada nos indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, com predomínio no sexo masculino (50,1%). A faixa etária de 60 anos e mais apresentou aumento de 20,3% no número de casos quando comparados os anos 2015 e 2022 (de 2.209 para 2.657 casos)… No geral, os coeficientes de mortalidade por AIDS apresentaram queda nos últimos dez anos em todas as faixas etárias, com exceção da faixa de 60 anos ou mais, na qual o coeficiente aumentou 19,1%, passando de 4,7 em 2012 para 5,6 óbitos/100 mil habitantes em 2022. Esse aumento na última faixa etária foi observado para ambos os sexos.

Para entender melhor o aumento dos casos de HIV, é necessário explorar o que mudou no comportamento dos idosos. Vários fatores contribuem para a exposição de pessoas mais velhas à infecção pelo HIV, como a prática de atividades sexuais sem proteção, o uso de medicamentos para melhorar e prolongar o desempenho sexual, a confiança nos parceiros, a desinformação e a escassez de profissionais de saúde treinados para reconhecer a vulnerabilidade nessa faixa etária. 

O que deve mudar para melhorar esse cenário? É preciso que as políticas públicas entendam que o atendimento integral ao idoso vai muito além da prevenção. Ele deve incluir responsabilidade, vínculo, acolhimento e humanização. É fundamental enfatizar que todos os idosos devem ser acolhidos sem discriminação, independentemente de sua condição, profissão, orientação sexual ou estilo de vida. Para melhor atender os pacientes 60+ com HIV/AIDS, é necessário ampliar e atualizar continuamente a estrutura de atendimento clínico e psicológico. Isso requer uma abordagem integrada e multidisciplinar para atender às necessidades complexas dos pacientes idosos soropositivos.