Por Carol Sarmento
2023 chegou ao final com um recorde histórico: o mais quente dos últimos 125 anos.
Ondas de calor tomaram o mundo todo, mesmo nos meses mais frios. A temperatura dos oceanos subiu também, em média 1,5 graus Celsius, com impacto na dinâmica das tempestades e furacões. Mais incêndios, alagamentos, chuvas torrenciais, deslizamentos e mortes decorrentes. De fato, um impacto sem precedentes especialmente para populações mais carentes.
Assistimos impotentes aos sinais das mudanças climáticas. O aquecimento global causa elevação da média da temperatura dos nossos dias e o agravamento de fenômenos climáticos extremos, como por exemplo, as altas temperaturas, as secas, inundações desproporcionais, furacões, ondas de frio, etc.
E se pensarmos nas ondas de calor, o pior não passou! O verão tupiniquim só está começando e tem muito mais ainda por vir. A revista Nature publicou que mais de 61.000 pessoas morreram na Europa no verão passado somente em decorrência das altas temperaturas. Em 2023, estima-se que mais de 57 milhões de americanos foram expostos a temperaturas perigosas e com risco à saúde. Além das consequências potencialmente graves para a saúde física, também há impacto significativo na saúde mental.
O calor extremo repercute diretamente na qualidade de sono (alguém aqui dorme bem no calor?), no bem-estar experimentado no dia a dia, no déficit de memória e no aumento dos níveis de estresse, especialmente entre idosos e mulheres. As ondas de calor estão associadas ao aumento da irritabilidade, dos sintomas de depressão e do número de suicídios. Uma meta-análise recente, publicada no jornal Lancet, constatou que a temperatura extrema, incluindo temperaturas absolutas, variação de temperatura e ondas de calor, foi positivamente associada a tentativas de suicídio e suicídios consumados, atendimento ou internação hospitalar por doença mental e resultados piores para a saúde mental e o bem-estar da comunidade.
Estudos também demonstraram que temperaturas elevadas podem causar recaídas temporárias em indivíduos com transtorno bipolar e que a maior exposição à luz solar pode aumentar o risco de episódios maníacos. Durante as ondas de calor, as pessoas com demência correm um risco maior de hospitalização e morte. Certos medicamentos, como os diuréticos, podem causar aumento do número de micções, levando à desidratação, que causa alterações do estado mental e confusão.
Existem algumas teses que ajudam a explicar o impacto negativo do calor na saúde mental. Entre elas, é bem aceita a hipótese da influência direta do calor no aumento da liberação de cortisol e alteração nos níveis da serotonina no sangue, com consequentes alterações do humor, agressividade e irritabilidade. Isso se comprova inclusive com aumento dos casos de violência doméstica nos cenários de calor extremo (uau, que bola de neve!).
Muitos dos medicamentos e drogas amplamente usados atualmente são associados a risco aumentado de doenças relacionadas ao calor e ao impacto na saúde mental, uma vez que essas substâncias interferem diretamente na capacidade do corpo transpirar e regular a temperatura. Entre esses medicamentos, destacam-se os antidepressivos, antipsicóticos, lítio, anti-hipertensivos – aqui enfatizo que não é sobre suspender ou interromper o uso de medicamentos prescritos que sejam necessários para as condições de saúde que temos que tratar, mas sim reforçar a necessidade de manter-se muito bem hidratado, de ter vigilância, atenção e acompanhamento médico para ajustes posológicos e condutas específicas necessárias.
Para mitigar esses riscos, algumas dicas são importantes. Beba bastante água e procure lugares frescos e arejados sempre que possível (lembra da regra mínima dos 35 ml por Kg de peso nas 24 horas do dia? Use e abuse dela!). Traga plantas para seu ambiente: elas ajudam na redução da temperatura nos microclimas onde vivemos. Use roupas leves, folgadas, longas e de tecidos naturais, que favorecem a circulação do ar e a regulação da temperatura corporal. Procure desenvolver uma rotina de alimentação de qualidade, natural, fresca e evite alimentos ultraprocessados, pois têm grande quantidade de sódio e gorduras. Cuide do seu bem-estar psicológico, implemente pausas curtas durante os turnos de trabalho e aprenda alguma técnica de relaxamento. Busque, como regra de ouro, ter um sono reparador e de boa qualidade. Converse com seu médico para rever as prescrições de medicamentos de uso contínuo, para considerar ajustes de dose e de fármacos. Proteja-se diariamente da exposição dos raios solares na pele usando filtro solar. E preste atenção especial aos sinais de alteração que o calor pode causar tanto no corpo quanto no estado mental (sudorese excessiva, sede desproporcional, mialgia, confusão, sonolência, alterações de comportamento como agressividade e irritabilidade). Procure ajuda profissional ao menor sinal de que algo não vai bem.
Tudo que aprendemos – e seguimos aprendendo – sobre esse tema terá grande valor para melhorar a qualidade de nossas vidas nos tempos quentes que virão. Infelizmente, precisamos entender que as mudanças climáticas e o aquecimento global já são nossa realidade, sobreviver nesses cenários será um grande desafio.