Cuida

A arte que cura

Por Ana Carolina D’Ettorres

Recentemente, em uma reunião informal com um grupo de amigos, começamos um debate sobre o que é cura? De pronto, ao ler as mensagens que chegavam no meio de um dia corrido no trabalho, minha resposta foi “cura é quando conseguimos erradicar uma disfunção orgânica”. Uma resposta bem padronizada para um pensamento médico de outras épocas. Essa discussão teve um desenrolar longo, mas o principal para mim foi refletir sobre a resposta que dei. Eu, uma pessoa que sempre gostou de literatura e filosofia, resumi algo tão precioso e complexo como o processo de cura em um conceito tão simplista e superficial. Por que fiz isto?

Talvez tenha sido porque era uma quarta-feira à tarde, no meio de uma jornada de trabalho em que, devido à nossa urgência moderna, constantemente somos demandados a responder tudo de imediato e de forma precisa. Precisão esta, frequente em nossa vida adulta, que limita nosso olhar e forja nossos pensamentos nos moldes de uma forma esperada pela sociedade. 

Quando crescemos, aprendemos que o certo é cumprir nossas funções. Desempenhar com maestria o papel que é esperado, padronizar nossas condutas e fazer uma espécie de esforço contínuo para transformar um mar em rio.

Pensando sobre isso, como uma eterna pensante e analisante que sou – e aqui falo da perspectiva de quem continuamente está analisando as coisas, até mesmo aquelas sobre as quais não tenho conhecimento técnico – percebi que nessa padronização das nossas vidas, nossos sentimentos são remodelados até o ponto de estarem disformes e profundos, tão abstratos, que não conseguimos sequer falar sobre eles. E como seria possível a cura de uma dor abstrata? Como erradicar algo que é impalpável? 

A psicoterapeuta Brasilda Rocha estuda a tensão corporal de crianças, por meio do uso de brinquedos, identificando o tipo de energia em cada brincadeira, partindo do pressuposto que este representa as relações objetas, nas quais se originam os conflitos e, desse ponto, transmuta a energia de um processo criativo e lúdico como forma terapêutica, como uma forma de cura.

A criatividade como ferramenta terapêutica para a cura de nossas dores abstratas é um grande desafio para nós adultos, que majoritariamente desejamos nos afastar de nossas crianças interiores, como uma forma de distanciamento dessa dor com a qual não sabemos lidar. Estamos em constante processo de negação do fato de que o lúdico é necessário a todas as fases da vida, e nos privamos do grande prazer que é satisfazer nossa criança interior. 

No último ano, me desafiei, à custa de muitas crises existenciais, procrastinações e sessões de análise, e resolvi me matricular em um curso de cerâmica. Só a ideia de dedicar duas horas da minha semana a algo totalmente lúdico, me gerou um grande desconforto. Mas me mantive firme no meu propósito e segui na minha missão.

E como foi maravilhosa essa decisão! Não tenho a pretensão de dizer que a argila me curou, mas certamente foi uma grande ferramenta para me fazer enxergar minhas dores e encontrar maneiras de trabalhar essa cura. 

Nas primeiras duas semanas, “esqueci” os horários e perdi as aulas, estava muito ocupada e a arte não era tão importante assim. Sim, foi um momento “Freud, corre aqui”. Na terceira semana, depois de uma dura sessão de análise, estava determinada a ir e ainda levei uma amiga comigo, e como foram prazerosas aquelas duas horas em que eu simplesmente me tornei criança e pude brincar livremente com uma amiga de argila.

Nas semanas seguintes, descobri que adorava sovar, amassava com muita força a massa e aliviava minhas tensões, mas com o tempo aprendi que sovar demais fazia com que as peças ao final ficassem tortas. Então, tive que aprender a controlar a minha força e sovar apenas o necessário. 

Aprendi também que controlar formas é impossível, a peça terá o seu próprio formato, a depender do tempo, da argila, da umidade, e isso acontecia independente do tempo que gastava alisando e moldando as peças em busca da perfeição. A peça sempre seguirá a sua própria natureza. 

A beleza é filha do tempo. Existe tempo de sovar, moldar, secar, ir ao forno, esmaltar e ir ao forno novamente, antes de chegar ao resultado, no qual sempre nos surpreendemos com o formato que a peça adquire, indomável, imprevisível. E por mais que enxergue imperfeições em todas as minhas peças, percebi que ninguém mais as enxergava. As pessoas veem somente beleza e autenticidade. 

Descobri uma forma de criar vínculos interpessoais únicos, que nunca havia explorado anteriormente, com minhas amigas, parceiras nas brincadeiras com argila, com minha filha, que também faz suas próprias peças e se identifica como ceramista, e com cada uma das pessoas que recebe uma peça minha de presente e, assim, sentem uma conexão particular comigo.

Eu aprendi que posso produzir sentimentos em forma de cerâmica.

E foi assim que aulas de cerâmicas, uma forma de arte, me ajudaram a curar minhas dores abstratas. 

Com esse relato, te convido a iniciar sua própria jornada criativa. Algo novo, lúdico, inesperado, em que você consiga transformar o seu abstrato em arte.