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O importante é resistir só mais um dia!

Por Equipe Cuida

Hoje, 29 de fevereiro, é celebrado o dia mundial das doenças raras. Estima-se que existam mais de 7 mil tipos diferentes de doenças raras e milhões de pessoas afetadas em todo o mundo. Embora individualmente raras, seu impacto coletivo é significativo, representando um desafio global para pacientes, familiares, profissionais de saúde e sistemas de saúde. 

O diagnóstico precoce é frequentemente uma batalha, com pacientes enfrentando anos de incerteza devido à falta de conhecimento médico sobre suas condições específicas. Uma vez diagnosticados, o acesso a tratamentos adequados é desafiador, muitas vezes por causa da escassez de opções terapêuticas ou dos  altos custos associados.

Além disso, o isolamento social e emocional é comum, com pacientes enfrentando a incompreensão da comunidade e a falta de redes de apoio. Esses desafios, combinados, têm um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes com doenças raras. Sendo assim existe uma urgência de abordagens integradas que tratem não apenas dos aspectos médicos, mas também das necessidades sociais e psicológicas desses indivíduos.

Conversamos com Juliana Dias, professora de biologia e voluntária na ONG Acolhimento de Pacientes Raros, que convive com a Miastenia Congênita, uma doença que causa fadiga muscular e cansaço extremo. 

Você teve dificuldades em receber um diagnóstico preciso? Se sim, quais foram essas dificuldades e como elas afetaram sua jornada de saúde?

R: Levei 32 anos para receber o diagnóstico de uma doença com a qual eu havia nascido com os sintomas, apesar de leves e flutuantes. Meus pais sempre buscavam outros pediatras por acreditarem que eu não era uma criança “normal”.  Mas foi aos 23 anos que os sintomas leves e flutuantes da doença, se tornaram progressivos e crônicos, me incapacitando completamente de trabalhar ou fazer mínimos esforços sozinha. Com a incerteza dos médicos, limitações de exames e a piora dos sintomas, meus amigos e familiares criaram uma Campanha para arrecadarmos o dinheiro necessário para ir até os EUA, por orientação da minha geneticista da época, em busca de exames específicos que ainda não existiam aqui no Brasil. Então, após 8 anos extremamente doente, diagnósticos e tratamentos errados e piorando, foi que em 2018 o diagnóstico correto finalmente veio. 

Quais são os sintomas mais desafiadores ou debilitantes que você enfrenta devido à sua doença?

R: A fadiga crônica, ou erroneamente tratada como preguiça, sempre foi o desafio da minha vida inteira, mas hoje, com a progressão da doença, adiciono a gastroparesia (ou fraqueza do estômago) e diminuição do campo visual e dificuldade de foco por causa da fraqueza do nervo óptico. São os sintomas mais debilitantes e difíceis de se adaptar.

Como você descreveria a variação dos seus sintomas ao longo do tempo? Eles mudaram desde o diagnóstico inicial?

R: Meu diagnóstico correto só veio em setembro de 2018. De lá pra cá, tive vários órgãos afetados pela fraqueza de seus músculos. Antes, quando era criança, a fraqueza era mais generalizada, nos membros. Nos últimos 14, anos tem afetado muitos órgãos, nervos e ligamentos.

Quais tipos de tratamento você recebe para gerenciar sua condição? Eles têm sido eficazes na redução dos sintomas?

R: Eu tenho uma doença rara, com um subtipo, ou seja, mutação de gene, considerado ultrarraro e, portanto, infelizmente, todos os medicamentos usados para os pacientes com a mesma síndrome, com diferentes mutações, não surtiram efeitos para a minha. Dessa forma, ainda não há medicamento para minha condição.

Você já experimentou diferentes abordagens de tratamento ao longo do tempo? Se sim, quais foram e como elas se comparam em termos de eficácia e tolerabilidade?

R: Sim, sou adepta da medicina oriental e da não convencional também.

A acupuntura é meu maior exemplo, pois com 6 meses de sessões diárias, consegui me levantar da cadeira de rodas e me devolver um pouco mais de autonomia.

Há mais de 6 anos faço suplementações para ajudar a aumentar a energia muscular e agora iniciei o tratamento homeopático.

Como ser portadora de uma doença rara afetou e afeta sua vida social e profissional?

R: Só fazendo uma correção, não somos portadores, porque não temos como desfazer isso. Convivemos com uma doença rara. Na vida profissional, fui obrigada a largar meu trabalho como funcionária pública e focar na investigação para ter o diagnóstico, enquanto que, na minha vida pessoal, pouco foi afetado, pois sempre tive facilidade de adaptação e os melhores amigos. A deficiência e as limitações que a doença trouxe nunca foram um obstáculo para que eu vivesse os meus momentos. Meus amigos e família foram excepcionais em se adaptarem às minhas necessidades.

E no trabalho devido à sua condição? Se sim, quais foram essas adaptações?

R: Eu era professora de biologia, então, passar o dia inteiro de pé, falando e ministrando aulas não era algo mais viável.

Como é a sua rede de apoio emocional e social? Você tem amigos, familiares ou grupos de apoio que a ajudam a lidar com os desafios da sua condição?

R: Sempre digo que sou muito abençoada, pois a minha família parou a vida para estar comigo enquanto buscamos o diagnóstico. Eles são a personificação da bondade de Deus na minha vida.

Poucos amigos se afastaram durante esse processo. Em contrapartida, muitos novos chegaram e em todo tempo a doença nunca foi uma questão delicada para nós.

Você sente que há uma compreensão adequada da sua condição entre aqueles ao seu redor, incluindo amigos, familiares e colegas de trabalho?

R: Amigos próximos e familiares, sim. Brinco que eles já estão Ph.D. em cuidados médicos com a Juliana. Sabem de tudo que é preciso para me manter estável e segura.

Mas sempre haverá os mais desinformados que vez ou outra precisarão ser lembrados da minha condição e necessidades.

Você enfrenta desafios específicos ao lidar com profissionais de saúde ou ao acessar serviços médicos?

R: Sim. São raríssimas as exceções de quando preciso de um atendimento médico e não passo por dificuldades por causa do desconhecimento destes profissionais com o meu diagnóstico e, principalmente, das minhas necessidades.

Infelizmente ainda acontece muito de mesmo tendo o diagnóstico e exames que provem isso, ser questionada sobre sintomas, ou médicos que decidem não aceitar meu caso porque desconhecem a doença.

Quais são suas maiores preocupações ou medos relacionados à sua condição?

R: Como pessoa que convive com uma doença rara que causa fraqueza muscular, meu maior medo é voltar a perder a visão e não conseguir recupera-lá e ter minha capacidade de comunicação afetada pela neblina cerebral, um dos sintomas mais difíceis, pra mim, das doenças neuromusculares.

Quais estratégias você adota para manter uma boa qualidade de vida apesar dos desafios impostos pela sua condição?

R: Minha alimentação é bastante restrita, por causa da gastroparesia, então minha dieta é composta de alimentos de rápida e fácil digestão e alimentos antiinflamatórios. Também faço treinos personalizados para fortalecer os músculos com a mínima perda de energia possível e, no geral, tratamos os sintomas com especialistas conforme eles vão aparecendo, já que a causa base – a doença – não  pode ser tratada.

O que você diria para alguém que também é portador de uma doença rara?

R: Receber um diagnóstico raro, é difícil. Eu sei! Mas não é o fim! É possível se adaptar e seguir um dia de cada vez. Aprender a ouvir os sinais que seu corpo comunica, descobrir o que funciona pra você e fazer escolhas inteligentes podem te manter longe do hospital e até ter qualidade de vida. Mas isso é uma decisão diária, você tem que estar preparado para recomeçar quantas vezes necessário for, porque se a gente para, a doença vence. Para conviver com uma doença rara, é preciso se esforçar diariamente pra deixá-la em segundo na sua vida e tem dias que vai dar certo e em outros ela será protagonista e está tudo bem. O importante é resistir só mais um dia!

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