Cuida

O tal do luto

Por Lilia Lavor

Esses dias, uma paciente que perdeu o pai tentou descrever como havia sido a semana. Depois de perceber uma certa dificuldade de definir as emoções sentidas, concluiu que não era uma tristeza conhecida, não era uma saudade conhecida, não era uma sensação comparável a outras. Cansada de dar voltas nos próprios pensamentos, terminou dizendo que para ela, o luto é um sentimento.  Passou a dizer que sente luto, para expressar aquilo que é indizível, que parece não ter palavra no vocabulário que defina de maneira suficiente. Que bagunça é essa, então?

O luto é um processo natural, que acontece a partir da perda de algo muito, muito importante – tão importante, que costuma nos lembrar quem somos. Pode ser uma pessoa, um trabalho, um projeto, o lugar onde moramos, nossa pátria, nosso bichinho de estimação, e por aí vai. Para pra pensar um pouquinho e repara tudo que faz parte da sua história de forma significativa, a ponto de mudar a narrativa, quando não está presente. Provavelmente todas essas coisas são vínculos importantes, que diante da perda, você vai se enlutar.

Viver o luto é como uma reação do corpo. O cérebro literalmente gasta energia pra processar uma nova realidade e isso custa um bocado. Esse gasto de energia é tão grande, que pode afetar algumas funções temporariamente, como nossa memória, foco, atenção, impactando, muitas vezes, aquilo que a gente costumava fazer com os pés nas costas. 

E vamos combinar que esse esforço do nosso cérebro gera cansaço, exaure, desgasta, e por isso, dificilmente conseguiríamos ficar mergulhados nesse processo sem descanso. A psique, sabiamente, nos distrai na nossa rede de suporte, nas tarefas do dia a dia, em alguma bobeirinha que a gente vê na televisão. 

Percebam que há uma oscilação saudável entre o pesar e a restauração, sem existir uma linearidade ou fases do luto. Vai haver momentos de ver fotografias de quem se foi, de falar sobre a perda, de ruminar sobre como seria a vida se a perda não tivesse ocorrido… e outros momentos de retomar as tarefas da vida, fazer coisas novas, se distrair, sorrir, criar novos espaços e novas relações. 

Esse movimento de pêndulo, vai acontecer de acordo com as nossas necessidades emocionais e ajudam a suportar um momento tão difícil como esse. Cada pessoa vai viver esse processo no seu tempo, da sua forma, com os recursos que tem, de acordo com as necessidades de adaptação que a perda vai trazer. Portanto, não vamos impor regras, que não existem, já que cada luto conta uma história diferente. 

Se você conhece algum enlutado, escute mais, dê menos sugestões, não se cobre a tentar remediar uma dor que expressa tanta coisa. A dor do luto é um dos custos do compromisso e da capacidade de amar.

Se você quiser se aprofundar nesse assunto, ou conhecer melhor os dados citados nesse texto:

Para assistir:

Capitão Fantástico (Captain Fantastic – EUA – 2016) Netflix e Prime Video

After Life: Vocês vão ter que me engolir (After Life – Reino Unido – 2019) – Netflix

Para ler:

Lili, Novela de um lutoNoemi Jaffe, Companhia das Letras

Homens sem mulheresHaruki Murakami, Editora Alfaguara

Para ouvir:

Crônicas de um cuidado – Ep. Luto – criando intimidade com a saudade – Spotify, Apple Podcasts, Deezer, Globoplay, Amazon Music

Podcast Manual do Luto, por Fabrício Carpinejar – YouTube do Grupo Cortel

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