Cuida

A questão social e o atendimento em saúde

Por Alessandro Kerkovsky

Há algum tempo ouvi um médico cirurgião oncológico perguntar a uma paciente, que estava internada para fazer uma colostomia, qual era seu trabalho. Ela meio sem entender disse que era lavradora.  O médico gentilmente disse que achava importante saber para o melhor posicionamento da bolsa de colostomia, pois não gostaria de impactar a execução do seu trabalho nem a sua qualidade de vida. Pensei automaticamente que se um dia precisasse de um cirurgião oncológico para mim ou para quem eu amo, certamente eu procuraria aquele profissional. 

Compreender mais sobre a vida do cliente originariamente é um conceito de mercado, de marketing, onde se estuda qual perfil de pessoas desejamos atingir para desenvolver comerciais e propagandas a fim de ofertar um produto. E cá pra nós, é sensacional ter produtos personalizados, com sinais de cuidado e remetendo ao que realmente importa aos nossos olhos. Isso humaniza, fala de sentimentos, nostalgia e com essa afetividade fidelizamos.

No atendimento em saúde durante o decorrer dos anos foi-se descobrindo que não era mais eficaz apenas ouvir sobre a doença.  A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, já falava em atendimento integral, levando em consideração as diversas esferas do cuidado, seja física, mental e social, e em 1998 incluiu a dimensão espiritual nesse conceito.  Hoje isso se traduz em humanização, individualização, singularidade e cuidado centrado no paciente dentro dos melhores serviços de saúde, alicerçado na Política de Humanização – PNH (2003).

Acolher, realizar um atendimento de escuta qualificada, entendendo quem é o seu paciente, com quem ele vive, quais as suas relações sociais, é fundamental para que cada vez mais o diálogo seja linear e assertivo. Não estamos habituados a sermos ouvidos sem pressa, e não é difícil ouvirmos de pessoas próximas a estranheza de passar por um atendimento que durou um tempo maior que achava que era normal. Isso gera valor para o paciente, traduz em cuidado, importância e consequentemente com maior possibilidade de um plano de tratamento coeso e capaz de atender as necessidades e expectativas.

Falar da importância de entender o perfil social no atendimento em saúde é conversar sobre determinantes sociais. É descobrir o valor da equidade e que as características da vida de quem atendemos impacta diretamente no seu tratamento.  Fatores como: onde mora, qual o trabalho que executa, qual sua religião e seus valores, se sua região possui saneamento básico e coleta de lixo, grau de escolaridade, se os filhos estão na escola, se possui UBS próximo, se é referenciado junto ao CRAS, se existe insegurança alimentar, qual a condição de moradia, qual renda essa família possui para sobrevivência. Essas e tantas outras perguntas são capazes de nortear até mesmo um receituário médico.  Essas respostas muitas vezes não permitirão o tratamento ideal, mas falam do que é possível, do que é executável para ambos os lados e com as ferramentas que o convênio de saúde ou o SUS permitirem. 

Toda vez que ignoramos quem atendemos na sua dimensão mais ampla, estamos decidindo sozinhos o sucesso ou não daquele tratamento. E precisamos compreender o quão impactante é um plano de cuidado unilateral a partir do nosso olhar.  Vivemos num país extremamente desigual, e não compreender isso no dia a dia do nosso fazer profissional, independente da sua profissão na saúde, é regredir décadas no conceito de doença, é optar por ouvir para responder e não para compreender quem está realmente à nossa frente. 

Desigualdade Social mata! E todos os dias quando me importo mais, ouço com maior interesse, enxergo além, estou criando barreiras para que o atendimento dado ao paciente seja digno otimizando os recursos que dispomos para a melhora da sua saúde e consequentemente da sua vida. 

Para cuidar de pessoas não existe receita pronta.  Em tempos de inteligência artificial, percebemos que olhar nos olhos não caiu de moda. É nessa troca que a vida se fortalece, e descobrimos a importância do trabalho em equipe e que a integralidade do cuidado se faz até tomando um café com bolo. 

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